sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Preciosidades nas mãos dos pequenos


As coisas preciosas da vida devem ficar sob o domínio dos grandes. Certo? Quando nos referimos a responsabilidades dos adultos em relação às crianças, talvez. Mas, quando tratamos de temas relativos à preservação dos recursos naturais, como o resgate e guarda das sementes crioulas posso afirmar que, neste caso as preciosidades devem ficar na mão dos pequenos. Sejam eles colonos, índios, quilombolas, assentados ou outra categoria de agricultores familiares que o homem teima em classificar.

O município de Canguçu e suas organizações de agricultores, juntamente com as instituições organizaram, neste mês de outubro (05 e 06/10/2013), a Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares. Na condição de repórter rural pude constatar que preciosidades decisivas para o futuro da humanidade estão nas mãos dos pequenos agricultores e que da resistência histórica desses grandes homens do campo depende a soberania alimentar do planeta.

Sementes crioulas de produtos a exemplo do milho, feijão, abóbora, hortaliças e todo tipo de alimento foram trazidas por agricultores da região como jóias raras, com objetivos de promover a troca de sementes entre as famílias produtoras e aquisição para quem desejasse cultivar e passar adiante. Além dos adultos, as escolas do município envolveram também crianças e adolescentes, os estudantes passaram a pesquisar as sementes e saber mais a importância para as comunidades. Nisso, veio também o respeito e a admiração pelo trabalho dos agricultores.

Foi de uma jovem estudante chamada Milena, que veio a inspiração para criar mais que uma frase, mas a síntese do pensamento da Feira de Sementes – “Crioulas: Sementes que resgatam o passado e garantem a segurança alimentar do futuro”. Acredito que o envolvimento da juventude nas causas nobres e fundamentais para o planeta pode trazer mais esperança na luta constante entre grandes, de interesses escusos e pequenos com ideais consolidados. Este é o tipo de disputa, em que todos saem perdendo, porque não teremos nem grandes e nem pequenos não existirem mais alimentos para o consumo.


Marco Medronha      mmedronha@hotmail.com

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A essência do Pampa


O Pampa no Brasil está presente no estado do Rio Grande do Sul e ocupa 63% do território gaúcho. Também conhecido como Campos do Sul ou Campos Sulinos, ele rompe fronteiras e constitui parte de territórios da Argentina e Uruguai. É formado principalmente por vegetação campestre, a exemplo de gramíneas, herbáceas e algumas árvores.

A origem do termo “pampa” é indígena, significado encontrado para designar “região plana”, característica de terras encontradas na divisa da região sul com o Uruguai. O pampa gaúcho possui tradição na atividade de pecuária e ocupa uma área de 40% do Rio Grande do Sul, uma tradição que se iniciou com a colonização do nosso País. A área pampeana da Campanha Meridional representa a maior proporção de campos naturais preservados, sendo um dos ecossistemas mais importantes do mundo.

As diversas categorias de profissionais e instituições, que atuam na área ambiental, vêem se manifestando de maneira formal ou informal sobre os efeitos danosos da monocultura sobre o terreno fragilizado do Pampa. A flora e a fauna passam a ser mais conhecidos e através da informação, os habitantes dessa região passam a realizar práticas agropecuárias sustentáveis, visando à preservação do meio ambiente.

Preservar as características naturais do lugar do planeta em que vivemos é uma necessidade, mas as pessoas não são coisas ou substâncias encontradas no ecossistema. A essência do Pampa é o grande legado humano deixado por homens e mulheres que lutaram bravamente para constituir uma pátria livre da escravidão, da exploração da riqueza e do trabalho duro de campesinos que tinham na fé e nos conceitos de comunidade, uma forma de construir uma nação.

A essência é o constitui a natureza e o cerne de um ser, independentemente de existir ou de ter existido de fato. O Pampa gaúcho é formado de coisas substanciais e espírito, a lógica clássica daquilo que não pode ser indissolúvel.


Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Pode entrar, a casa é sua


Quem anda pelo interior do Estado e na maioria das cidades gaúchas da região sul conhece bem a fala “pode entrar, a casa é sua”. Nesta expressão está representada uma das marcas da hospitalidade de nosso povo, que gosta de receber muito bem aqueles que chegam com missão de paz e trazem no coração um sentido claro de fazer novas amizades.

Recentemente recebemos a visita de dois jornalistas do Ministério da Agricultura da República de Cabo Verde, um país africano e um arquipélago de origem vulcânica constituído por dez ilhas, localizado no Oceano Atlântico. Manoel Brito e Rizulena Monteiro nos brindaram na chegada com um sorriso aberto, largo e fácil, era tudo o que precisávamos para abrir nossas portas, porteiras, cadeados, desfazer cercas e alambrados.

Os colegas africanos vieram em uma missão para conhecer a comunicação rural feita no Rio Grande do Sul. Como bom gaúcho e conhecedor dos costumes, o gerente de comunicação da Emater/RS-Ascar, Paulo Mendes elaborou um roteiro que incluiu uma visita a Pelotas, com objetivo de conhecer o Terra Sul, uma parceria da pesquisa e extensão rural, na produção do programa de televisão que possui mais de 20 anos, um patrimônio cultural e audiovisual das instituições nos registros das atividades e modo de vida das famílias rurais.

Mesmo para leigos sobre o universo rural é possível imaginar uma grande diferença entre os dois sistemas agrários. O Brasil um país agrícola de dimensões continentais, clima tropical com distribuição de chuvas regulares durante o ano contrasta com Cabo Verde, onde chove apenas em três meses durante o ano e possui pouca terra para produção de alimentos. A lotação do gado é apertada no país africano enquanto aqui, principalmente no sul do Brasil, os animais desfrutam de fartura de campo nativo para alimentação e muito espaço para criação.

Mas também existem muitas semelhanças, principalmente ao se tratar de pessoas e de relações amistosas. O idioma é o primeiro sinal de identidade, pois Cabo Verde foi colônia de Portugal e conseguiu sua independência apenas em 1975. Com base lexical portuguesa, o crioulo, língua original do Arquipélago sobreviveu influências externas e ainda é usada entre os descendentes cabo-verdianos de várias partes do mundo. O gosto pela música também é semelhante, onde o ritmo da percussão é bem marcada, lembrando muito nosso samba de raiz. 

Entre os jornalistas, a identidade é ainda maior. Não só pelo orgulho que cada um de nós cultiva por suas pátrias, independentemente de tamanho, mas pela consciência de que na comunicação plena não existem barreiras. Um sentimento de consenso predominou no encontro de duas realidades: É preciso deixar a porta aberta, pois se o mundo é nosso e desfrutamos do mesmo mar, pode entrar que a casa é sua.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

sábado, 7 de setembro de 2013

Pombos: Do sagrado ao profano


Ao ver pessoas condenando a presença dos pombos em seus condomínios verticais e a sujeira que eles provocam nos patrimônios públicos, fico pensando nos vários significados e sentimentos que a ave provoca desde a sua existência, durante toda a humanidade. Enquanto no presente os eles são acusados pela transmissão inúmeras doenças como histoplasmose, salmonella e criptococose, no passado a ave possui um ar de sagrado, quando no batismo de Jesus aparece como símbolo da Santíssima Trindade. Para os católicos, a pomba representa o Espírito Santo, a terceira pessoa juntamente com Deus Pai e Deus Filho.

O pombo comum ou pombo doméstico é uma ave da família columbidae, com grande variação de cores. Há poucas diferenças visíveis entre machos e fêmeas. Sua plumagem é normalmente em tons cinza, mais claro nas asas que no peito e cabeça, com cauda riscada de negro e pescoço esverdeado. A pomba branca faz parte do imaginário e representa a paz e muitas histórias no imaginário de reis e rainhas. Representa mais que uma lenda, mas o símbolo de liberdade quando soltas em revoadas ou então santificada quando aparece com um ramo de oliveira no bico.

Em muitos países os pombos são considerados um grave problema ambiental, pois competem por alimentos com as espécies nativas, danifica monumentos com suas fezes e pode transmitir doenças ao homem. Mas atualmente vê-se como exagero esta atribuição de vetor de doenças; como exemplo, o Departamento de Saúde de Nova Iorque não tem nenhum registro de caso de doença transmitida por pombos a seres humanos. De certa forma, esse dado me deixou aliviado porque não era a imagem que tinha sobre os pombos.

Os pombos que aprendi a admirar são aqueles que são tirados das cartolas mágicas ou os que são soltos em revoadas nos eventos esportivos. Além desses, sempre procurei entender a lógica dos pombos-correio. Segundo Marques (1997, p. 359 – 363), uma variedade domesticada do pombo-comum ou pombo-das-rochas (Columba livia). Foi escolhido porque, como todo pombo retorna geralmente a seu próprio ninho e a sua própria mãe, era relativamente fácil produzir seletivamente os pássaros que encontravam repetidamente o caminho de volta em longas distâncias. Os pombos-correios foram usados para carregar mensagens escritas em papel claro fino (tal como o papel de cigarro) em um tubo pequeno unido a um pé; por isso o nome de pombo-correio. 

O problema é que o animal por vezes idolatrado e respeitado como símbolo do sagrado e que tem nos penhascos seu habitat natural, invade as cidades do mundo inteiro e se reproduz em qualquer época do ano, com grande potencial de multiplicação. Até pouco tempo, havia uma certa tolerância aos pombos em pontos turíscos das grandes cidades, mas a fama de sujão e transmissor de várias doenças vem trazendo uma certa repugnância a presença dos pombos. Entre o sagrado e o profano, prefiro acreditar que os pombos ainda são as vítimas do desequilíbrio ambiental e do entendimento equivocado dos seres humanos.


Marco Medronha      mmedronha@hotmail.com

sábado, 31 de agosto de 2013

Quando a cidade enxerga o campo


Muito mais preocupado com as metas e os resultados a serem alcançados, os habitantes da cidade vivem em busca da produtividade, do lucro e do consumismo. Dia e noite fixados no trabalho perdem com freqüência o foco e deixam a vida passar, não percebem que os filhos cresceram sem saber quase nada sobre o universo rural, até mesmo porque eles mesmos desconhecem. Quando chega o período de exposições, principalmente a Expointer, alguns pais urbanos levam os filhos para um passeio na feira, neste dia muitos ficam sabendo que o leite tomado diariamente vem da vaca e não da “caixinha do supermercado”.

É quando a cidade enxerga o campo, ou melhor, do jeito que a mídia vende o rural. Sem querer generalizar, as notícias mais impactantes são os campeões ou as campeãs, a vaca que mais produz leite, o touro mais pesado e valioso, a raças de ovelhas de melhor aptidão, o vencedor do freio de ouro, o faturamento na venda de máquinas dos animais. Reportagens mostram a vida de peão na feira e não nas propriedades, a estética dos bichos ao ingressar na pista, o maior e o menor animal da feira, o modo de vestir dos homens e mulheres “na feira”, uma ou outra novidade de funcionamento da exposição ou de programas governamentais.

Segundo histórico da Expointer, a tradição do Estado em feiras agropecuárias vem desde 1901, quando em pavilhões fechados no Campo da Redenção, hoje área do Parque Farroupilha e do campus central da Ufrgs, em Porto Alegre, ocorreu a primeira Exposição de Produtos do Estado. Em 1972, já em Esteio, foi realizada a primeira Exposição Internacional de Animais, a Expointer, com a presença dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Paraná. Países como Canadá, Holanda, França, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Uruguai, Argentina e Chile também estavam presentes.

Nos últimos anos na feira, o público de freqüentadores pagantes chegou perto de 500 mil, foram arrecadados quase 12 milhões na venda de animais, o setor de máquinas faturou mais de 830 milhões e a agricultura familiar superou 1 milhão em vendas. Estes, embora sejam dignos representantes do campo, não ocupam muito espaço nas divulgações da feira. Sem falar no artesanato rural, nos outros animais e na mostra de serviços essenciais ao meio rural.

Mesmo com números fantásticos e quebra de record’s ano após ano e a visibilidade na mídia, eu chego a conclusão que a cidade ainda não enxerga o campo. Os agropecuaristas persistentes que trabalham sem serem vistos ou aqueles competitivos, que mesmo não ganhando nada estão lá, participando, também estão invisíveis. Para as pessoas da cidade que desejam enxergar o campo, sugiro que façam um roteiro turístico no meio rural aí do seu município. Provavelmente, muitos que trabalham na roça não serão vistos pela falta de inclusão social, mas se quiserem uma referência grandiosa, então visitem a Expointer.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

sábado, 17 de agosto de 2013

Capão da Amizade


Capão é uma formação vegetal típica da região Sul do Brasil. Para quem é do meio rural, provavelmente conhece como um “mato pequeno” isolado ou agrupados em meio aos campos. No novo Dicionário da Língua Portuguesa, segundo Ferreira (1986),  diz que capão “Consiste em um grupamento de vegetação arbórea cercada por campinas”. Grande ou pequeno, ele já deu nome para alguns municípios do Rio Grande do Sul. Temos, por exemplo: Capão do Leão, Capão da Canoa, Capão do Cipó, Capão Bonito do Sul e Muitos Capões. 

Relembrando os tempos de guri, quero falar de um capão que conheci e pude vivenciar o crescimento de uma comunidade em sua volta, o Capão da Amizade, no município de Cristal. Um mato de formato arredondado, de vegetação variada, entremeada com pedras grandes e pequenas, onde algumas delas são suportes para  crescimento de árvores que derramam suas raízes sobre as pedras, formando desenhos e arranjos tão belos que só a natureza proporciona. Na lembrança tenho na memória uma floresta, pois o capão, como era chamado, parecia um mato muito grande, no qual me deliciava ao sentir o frescor da relva, em subir nas árvores, nas pedras, se embalar nos cipós e até mesmo levar pra casa, barba-de-pau para enfeitar o pinheirinho no natal.

Nunca deixei de visitar o Capão da Amizade e num dia desses estive lá. Fiquei feliz ao vê-lo preservado, com calçadas e ruas de concreto ao seu redor. A comunidade, formada pelos órgãos públicos e seus habitantes, entendeu que aquele capão é um patrimônio com valor ambiental e cultural, faz parte da história dos cristalenses. Durante muitos anos, na formação do povoado até passar a categoria de vila, as festas realizadas no Capão da Amizade ergueram, entre tantas obras, as igrejas, escolas e salões comunitários. Das festas mágicas do Capão surgiu a amizade entre as pessoas e a vontade de estarem próximas na construção de uma cidade, que bem poderia se chamar Capão do Cristal. 

Bons tempos aqueles... em que as pessoas se encontravam para conversar e  juntas buscavam o entendimento. Compadres e comadres se respeitavam e trabalhavam pelo bem comum, sem reclamar. E tinha também muita diversão: O jogo da argola, do porquinho da índia, do tiro ao alvo, da roleta de prêmios, da pescaria na caixa de areia, da banda tocando, dos barris de chopp, dos sucos e guaranás. Um palco feito de tábuas plainadas era o espaço das apresentações artísticas, onde gaúchos e prendas dançavam nossas melhores canções folclóricas. Sem esquecer que pelos caminhos de subidas e ladeiras, sob um teto de folhas, desfilavam rapazes e moças à procura de um olhar insinuante a fim de começar um namoro ou uma simples e sincera amizade.

Muitas pessoas que conheceram e passaram pelo Capão da Amizade, possivelmente vão lembrar com carinho daquele lugar. Em outras, o sentimento pode ser de medo quando passaram pelo mato na noite  escura. Para alguns, mesmo em  dia claro, o capão  nada representa, talvez por não terem vivido numa época que mesmo na simplicidade as pessoas eram evoluídas e os contatos pessoais eram mais importantes.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Dialogando com a comunidade rural


O diálogo pode ser considerado um caminho seguro para o entendimento entre as pessoas e a descoberta de novas realidades. Caracterizado pela conversa entre dois ou mais indivíduos, onde o consenso prevalece, a conversação estabelecida é processo propulsor de troca de ideias e alternativas para resolução dos problemas. A criação do diálogo veio do teatro em substituição ao monólogo, a compreensão dos fatos históricos pelo colóquio, no sentido de informar as pessoas sobre o presente é também uma estratégia de comunicação poderosa.

Um programa chamado “Dialogando com a Comunidade”, realizado no município de São José do Norte, utiliza a lógica do diálogo para promover o desenvolvimento técnico e social das comunidades rurais. Através do calendário de visitas, um grupo formado por extensionistas da Emater/RS-Ascar e secretarias municipais da Prefeitura passam o dia conversando com as famílias rurais, onde o propósito é ouvir primeiro todas as demandas, conhecer os problemas e as potencialidades, com o objetivo de elaborar um plano de ação com foco nas ações prioritárias.

Em outra etapa do programa, o grupo realiza novas reuniões com a comunidade onde o momento é de apresentar, discutir propostas para planejar avanços nas áreas de produção da agropecuária, melhorias sociais e culturais. Recentemente acompanhei um dia desses na Comunidade de Capela e pude comprovar o resultado das ações quando a origem vem do diálogo. Parece elementar que para avançar nos processos democráticos, verdadeiramente comunitários é preciso conhecer realidades, mas infelizmente isso na prática não acontece, pois as chamadas “políticas públicas” vêem quase sempre de cima para baixo sem dar ouvidos para aqueles que mais precisam se expressar.

No que se refere à comunhão fática, esta forma de discurso entendida como diálogo, preenche uma função social e esse deve ser o principal objetivo. Recordando os conceitos de Benveniste (2006), “A conversa, por exemplo, é um gênero bastante desprestigiado nas teorias discursivas, isso porque conota temas aleatórios, desnecessários e que, por isso, não produzem resultados concretos”. 

Concluo afirmando que, este tipo de proposta de trabalho não é nenhuma perda de tempo, ao contrário só existem ganhos e maiores chances das políticas darem certo, além de produzir resultados satisfatórios para realmente “todos”.

Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com