segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Entre o belo e o triste

Foto: Cássio Gomes Lopes

O Pampa gaúcho apresenta características peculiares, em que contrastam o belo e o triste. Situações por vezes antagônicas, mas que podem estar em uma mesma paisagem ou situação. Para percebê-las precisamos experimentar ou pelo menos apenas viajar e deixar que os olhos possam registrar como memória fotográfica e que o coração possa interpretar os sentimentos.

Faço referencia a um planalto conhecido como Serra do Sudeste, o qual apresenta relevo bastante irregular, com formação de inúmeros cerros e solo raso caracterizado pelas aflorações de rochas. O cenário é belo, pois as rochas esculpidas com formas desafiadoras a imaginação humana podem ser apreciadas até que olhos as percam de vista.  Uma realidade encontrada no meio rural de Pinheiro Machado, a 100 quilômetros da cidade.

Neste lugar, a sensação de tristeza fica por conta das inúmeras taperas, propriedades abandonadas e deixadas para traz por projetos de produtores rurais que não vingaram. Por certo, quando a casa foi construída teria nascido ali esperança de felicidade, uma possibilidade de constituir família e de ver os filhos crescendo, indo para a escola e participando da vida em comunidade. Um lugar próspero pode atrair recursos de comércio, serviços de saúde e educação.

A locomotiva do sonho bom parou. Como se não bastasse começou a andar para traz, na contramão do tempo, desconstruindo o futuro para trazer o atraso e por consequência o descaso. Os sobreviventes parecem perguntar: Quem vai olhar por nós? Deus com certeza está vendo e mostra exemplos de persistência ao redor.

Sem fazer terra arrasada, alguns poucos criadores de ovinos lutam para a manutenção do rebanho e da atividade sócio e economicamente viável para muitos estabelecimentos, na maioria de pecuaristas familiares. A ovinocultura é uma atividade tradicional que apresenta excelentes perspectivas para os próximos anos, em função do mercado crescente de carne ovina e do interesse do jovem ovinocultor pela criação. 

Fiquei feliz ao cruzar o triste caminho das taperas e encontrar uma casa nova sendo construída, numa paisagem de campo verde, mata preservada e água abundante para a criação de um novo rebanho. No comando da propriedade, um jovem ovinocultor que resolveu permanecer no campo e seguir os passos do pai. O belo da vida é ver a esperança nascendo no meio do triste, como uma planta que surge das cinzas.

As propriedades taperas podem ser obras do destino ou de ideias sem planejamento, mas por certo são vítimas também de políticas públicas equivocadas das quais transformam sonhos e belas paisagens em lugares tristes e sem perspectivas.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

domingo, 12 de janeiro de 2014

As botas


Em um pequeno quarto da casa estavam minhas botas de cano longo que comprei para serem usadas naqueles raros e especiais momentos tradicionalistas. A pintura de couro precisava de retoque e os saltos apresentavam desgaste pelo lado de fora. O par de botas parecia triste, sentindo o descaso, pelas tantas vezes em que fora trocado pelos pares de sapatos.

Um convite para participar da 5ª Cavalgada Cultural da Costa Doce trouxe uma sobrevida para as botas e uma fantástica experiência de vida para aquele que, até então, mesmo amando o Rio Grande, vivia de lampejos tradicionalistas. Peguei meu lenço vermelho, as bombachas já apertadas na cintura e pulei para dentro das minhas velhas botas.

A Fazenda do Sobrado, em São Lourenço do Sul foi o ponto de partida da cavalgada. Já na porteira da fazenda, quem chega por lá pode sentir um clima diferente no ar, pois ali no sobrado centenário, onde morou a irmã do general Bento Gonçalves da Silva eram traçadas estratégias de combate durante a Revolução Farroupilha.

Quase tudo pronto para o início da jornada me apresentaram o cavalo, já encilhado e preparado para a montaria, o bichano atendia pelo nome de Preto. Nada sabia sobre a história do cavalo, mas confiei na palavra do dono, o Eduardo, que me disse: “É manso”. Naquele momento, antes de alçar a perna pensei em voz alta.., “Parceiro, não te conheço quase nada, mas me ajuda vou precisar muito da tua colaboração. Estou literalmente em tuas patas”.

No trote do cavalo, as botas já molhadas pelas várias passagens na água e nos juncais continuavam firmes no estribo, enquanto meus olhos contemplavam as belas paisagens da maior lagoa do mundo. A chegada, na praia do Laranjal, em Pelotas foi uma grande conquista pessoal e, no peito um sentimento de gratidão pela convivência e aprendizado as prendas e peões.

Depois em casa, agradeci ao Senhor, a parceria dos amigos e ao Preto, minha montaria. Antes mesmo do banho morno tirei as botas e as olhei com admiração, enquanto pensava... “Todo o homem do campo ou da cidade deveria ter um par de botas e de vez em quando alçar-se ao lombo de um cavalo, principalmente aqueles que não sabem lidar com o poder. Provavelmente sairiam de uma cavalgada transformados. Quem sabe mais compreensivos, menos prepotentes e egoístas.

Hoje compreendo o valor de um par de botas embarradas... limpá-las é um premio, além do convite para uma nova aventura.

*Artigo produzido e publicado de janeiro de 2004.
De 16 a 26 de janeiro acontece 15ª Cavalgada Cultural da Costa Doce – Saída de Guaíba e chegada em Pelotas.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com