sábado, 21 de fevereiro de 2015

Depois que o samba parar


Todo ano é assim, o povo vive a ilusão de mais um Carnaval. A festa popular é bastante conhecida, pelos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e está atualmente no Guinness Book como o maior Carnaval do mundo, com um número estimado de 2 milhões de pessoas, por dia, nos blocos de rua da cidade. Em 1995, o Guinness também declarou o Galo da Madrugada, da cidade do Recife, como o maior bloco de carnaval do mundo, mas por todo o Brasil a contraditória folia anima as pessoas e faz suas vítimas. 

Quando termina a festa do Carnaval começa o inevitável choque de realidade, pois infelizmente a alegria das pessoas virou um grande comércio, enquanto muitos milhões se divertem por prazer, em nome da alegria, outros poucos faturam alto e o país contabiliza mortes por ingestão de álcool, drogas e violência no trânsito. Os bandidos, em todas as esferas estão por todas as partes se aproveitam do estado de transe da população para realizar assaltos. O conjunto de atos violentos contra a sociedade vai desde a explosão de caixas eletrônicos por bandidos comuns até práticas mais arquitetadas, embora antigas como o aumento de impostos (água, luz, combustível, taxa de juros...).

Na origem, o Carnaval é uma festa que é marcada pelo "adeus a carne" que a partir dela se fazia um grande período de abstinência e jejum, como o seu próprio nome em latim "carnis levale". A festa teria surgido na Grécia em meados dos anos 600 a 520 a.C, os gregos realizavam seus cultos em agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e pela produção. Grande ironia... com o atual aumento do preço da carne e de outros alimentos, o jejum do brasileiro vai ser inevitável, a inflação bate à porta e junto vem as contas vencidas, o IPVA, IPTU, o material escolar e o terrível Imposto de Renda.

Aqui me coloco totalmente favorável aos festejos populares, eventos riquíssimos, na forma da preservação cultural de várias regiões do Brasil, inclusive o Carnaval. Também a favor do Samba, um gênero musical de raízes rurais, africanas, com suas características originais e símbolo da cultura negra que se alastrou por todo o território nacional. 

Sou contra a prática de escravização e exploração do povo, em nome de uma celebração tão marcante para nossa gente, como o Carnaval. Depois que o samba parar, a vida tem que continuar, mas com dignidade pois nossa gente não pode continuar refém de oportunistas, daqueles impostores de discurso alegórico e maquiavélico.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Porteira, ritual de passagem


Quem mora no campo conhece bem a figura da porteira, as vezes imponente outras modesta, em sua estrutura de madeira ou ferro, ela serve geralmente para guardar entradas na propriedades rurais. Desde dos tempos mais antigos, a finalidade de uma porteira ou cancela é de forma simplista controlar o trânsito de pessoas, veículos e do gado no curral, já que também pode abrir e fechar para o manejo dos animais na pecuária.

Esta invenção milenar pouco evoluiu com o tempo, pois embora os “meninos” tenham se tornado homens, a porteira continua no campo com sua forma bastante rústica de produção e operação, apenas os calouros ou iniciantes no convívio rural encontram dificuldades para abrir uma porteira ou cancela. Mesmo com suas trancas a função de proteção à propriedade apresenta pouca resistência. Porém, a sensação de abrir uma é diferente para cada pessoa ou situação.

Na vida encontramos muito mais porteiras do que podemos imaginar e se pararmos um pouco para pensar abrimos e fechamos porteiras todos os meses, todas semanas, todos os dias, todas as horas, minutos e até em segundos. As decisões fazem parte do nosso cotidiano e são como porteiras que poderão fechar-se para sempre ou manterem-se abertas, gerando tantas oportunidades quantos forem os acertos e, disso depende nossas atitudes em relação ao próximo. 

Muitas vezes, sem que percebamos somos as próprias porteiras ou cancelas. Talvez cancelas, quando nossas atitudes se tornam complexas e as relações indiferentes, quando não valorizamos pequenas ações daqueles que estão próximos, aí provavelmente estaremos fechando cancelas. Acho melhor ser uma porteira composta, de duas folhas, com palanques definidos, em madeira duradoura, como a aroeira, com dobradiças flexíveis e trancas para dar segurança e passagem, quando necessário.

Porteira ou cancela são mais do que ritos de passagem, elas não são apenas estruturas físicas das propriedades rurais e sim, também estão presentes no cotidiano de nossas vidas. Elas estão no imaginário dos seres tidos como racionais e podem representar passagens fáceis, complicadas e concretas. Acredito que o importante é estar “aberto”, enfrentar os desafios com coragem e entender que as porteiras fazem sentido quando não se fecham à mediação com as pessoas.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Ao sabor do mate


O mate que me refiro é a erva-mate (Ilex paragurienesis), que nós gaúchos chamamos de chimarrão. O termo mate, como sinônimo de chimarrão, é mais utilizado nos países de língua castelhana, a mesma uma bebida característica da intrínseca dos habitantes da América do Sul. Os estudiosos da tradição sabem que adquirimos um hábito, um legado das culturas indígenas quíchuas, aimarás e guaranis.

O conjunto bomba, cuia e erva-mate saíram das aldeias para ocupar lugar cativo nos escritórios, nas repartições públicas ou particulares. O hábito de sorver um mate com erva moída fina ou grossa passou a ser uma prática quase obrigatória e, porque não dizer um vício. Nas reuniões das quais participo com freqüência, lá estão os participantes, às vezes contrariando as tradições: Cada um com seu conjunto de chimarrão individualizado como se estivessem a matear sozinhos. 

Em algumas vezes me incluo neste grupo e tento entender está lógica. Pois bem... Quando sorvemos nosso mate quente com sabor quase amargo experimentamos sensações de coragem e até de clarividência, em alguns segundos parecemos elaborar perguntas ou respostas mais consistentes. Sou daquelas pessoas que não tenho respostas prontas e em algumas vezes encontramos indivíduos que tem prazer de fazer perguntas inesperadas, às vezes mal intencionadas, só para colocar o outro na famosa “saia justa”. Nestas ocasiões queria sempre ter uma resposta ao sabor do mate.

Talvez seja por isso que o mate individualizado, no grupo comece a fazer sentido para algumas pessoas, se pensarmos na vida competitiva atual, onde o indivíduo precisa provar em todo momento que é capaz. No mundo dos concursos, onde aparentemente este possa ser uma ferramenta de justiça, já vi muita gente boa fora e outros tantos muito ruins dentro. Porque isso me incomoda? - Respondo ao sabor do mate: Diferente da concepção original do mate compartilhado, em um mesmo grupo com objetivos iguais, as pessoas são percebidas como concorrentes e não mais como parceiros.

Que a ideia original do mate seja perpetuada, que na roda de mate cada um possa ter um tempo para sorver, pensar e ter consciência do no que dizer. Que o hábito de matear “solito” aconteça quando estiver realmente só.  Que o mate possa ser tomado, não como uma forma maquiavélica de trapaça, mas como algo espiritualizado, saboreado como partilha do conhecimento e da parceria.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com