sábado, 14 de novembro de 2015

Mato sem cachorro



                                                                                          Foto: Tárcio Michelon

Uma expressão que provavelmente tenha surgido na Inglaterra, onde nas famosas caçadas o cachorro era decisivo na perseguição e apreensão da caça, quando na mata não havia os caninos os caçadores se viam num mato sem cachorros, sem condições de caçar. O dito popular se espalhou pelo mundo e, principalmente aqui entre os gaúchos é muito utilizada para expressar uma situação de extrema dificuldade, em que não se tem ninguém para recorrer, a pessoa tem a sensação de estar perdida, sem saída.

Ao percorrer propriedades do meio rural percebemos que o cachorro é unanimidade, não só para dar as boas-vindas pra quem chega na porteira, quando não assusta o visitante, mas para auxiliar o produtor nas atividades campeiras.  Na função de guardião, o cachorro proporciona segurança e qualquer movimento estranho, de dia ou a noite, põe todos na casa em alerta. De acordo com a insistência do latido, o dono já sabe por antecedência do que se trata, não consigo imaginar uma propriedade rural sem cachorro.

Mesmo sabendo da preferência das pessoas por determinadas raças e respeitando as opções, quero falar de uma raça de cachorro que me impressionou, o Border Collie. Numa dessas pautas indicadas por colegas extensionistas rurais fui conhecer o trabalho de um treinador de cães, na Zona Sul do estado, em Arroio Grande. Chegando à propriedade para gravar a reportagem encontrei apenas o dono, o homem veio nos receber montado em seu cavalo, um gaúcho vestido tipicamente com um apito pendurado no pescoço e acompanhado por três Border's, recém treinados.

Ao ver os cães trabalharem com as ovelhas apenas sob o comando do apito do treinador entendi porque o Border Collie é considerado um das raças mais inteligentes do mundo. Cão pastor por excelência, ele adora o ofício de camperiar e apenas um cachorro, bem treinado pode conduzir um rebanho bovino ou ovino, com rapidez e eficiência. A raça possui alguma semelhança com o nosso tradicional cachorro ovelheiro, mas o Border é menor, tem o porte médio e é originário da Grã-Bretanha.

Outras características importantes e valiosas pra gosta de cachorros é a personalidade da raça: perspicaz, alerta, tenaz, receptivo, inteligente, jamais nervoso ou agressivo, trabalha pesado e com grande sociabilidade. Seu comportamento é de extremo companheirismo, cheio de energia e muito brincalhão com as crianças, mas pouco reservado com os estranhos. Assim como a maioria dos cães, o Border Collie adora uma recompensa, especialmente quando envolve elogios e alimentos, lógico.

Uma raça assim, com tantas qualidades não custa muito barato e o preço pode limitar a aquisição pelo homem do campo. Se bem que aqui nos pampas tem alguns parentes próximos, que também dão conta do recado. Um guaipéca ou cusco e até mesmo um guaiúsco misturado podem ser mais preguiçosos, mas possuem o sentido do companheirismo e fidelidade ao seu dono, com eles sempre por perto, o produtor rural nunca estará sozinho ou num mato sem cachorro.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Cancha reta



Aos domingos à tarde no interior do Rio Grande do Sul, por muitos anos, a corrida de cavalos foi a grande atração das famílias rurais, alguns municípios gaúchos a cancha reta ainda é preservada, assim como o gosto do homem dos pampas pelos cavalos. A competição é para muitos um acontecimento a parte, na corrida são feitas apostas e os animais são preparados para a “penca”, um termo regional que define a corrida de cavalos numa cancha reta de mais ou menos 700 metros.
 
Ainda lembro da zoiera de uma corrida de cavalos, entre gaúchos pilchados e prendas bem arrumadas, sempre havia algum borracho fazendo fiasco, depois de alguns goles de cana os tauras apostavam até o que não tinham. Guri ou piá, como chamam os pequenos se perdiam na poeira de cada penca corrida e não tinham muitas chances de se dar bem, só olhar o movimento, mas tinha algo que valia a pena: o refrigerante geladinho e o gostoso pastel de carreira. 

Ao comando de “se vieram caraco”, cavalos e jóqueis começavam a corrida e daí até o final era uma gritaria só, eu pequenino nunca consegui ver uma chegada, mas me contentava enquanto os grandes comemoravam, em ver o retorno dos competidores. 

Ali, na cancha reta, aprendi que as raças ou pelagens de cavalos tinham influência no resultado por seu melhor ou pior desempenho, mas até hoje não sei qual a melhor, mas sei que falavam em zaino, tobiano, tordilho, colorado, douradilho, bragado, malacara, gateado, lubuno, rosilho e pangaré, entre outros.

Lembro que patrões e peões tinham suas preferências, mas aplainavam suas diferenças na hora da cancha reta, pois era o momento em que o trabalhador do lombo do cavalo mostrava seu valor e podia ser mais respeitado, um precisava do outro para vencer e receber juntos o prestígio da comunidade.

Ser um bom jóquei era tão importante quanto a escolha do cavalo que iria correr, saber conduzir as rédeas era quase um dom e respeitar o adversário também, pois era preciso estar bem preparado e reconhecer as qualidades dos outros e impor seu ritmo até o final.
 
Na cancha reta das últimas eleições assistimos recentemente, um péssimo exemplo de competidores, pois na corrida para ganhar a ordem era sacanear o adversário e desconstruir a imagem do outro para poder mascarar as próprias deficiências. 

Numa carreira eleitoral, os candidatos se esquecem do público que está ali assistindo e querendo aplaudir o talento do melhor jóquei, aquele que com humildade e elegância põe o que tem de melhor na competição mostrando que tem café no bule e muito pastel de carreira para oferecer.

 Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

As crianças lá do campo

                                                                Foto: Felipe Brandão

Naqueles dias chuvosos bate uma nostalgia gostosa das lembranças e saudades dos tempos de criança lá no campo. Lembro-me dos amigos de infância e da vontade que tínhamos em brincar, tempos em que divertido era correr, entrar na chuva para se molhar e se atirar de carrinho nas poças d’água depois de uma chuva de verão. O risco era chegar em casa quase a noitinha, cansado de tanto gastar energias e receber um dolorido puxão de orelhas pela roupa molhada e embarrada.


Será que valeu à pena? Tenho certeza que sim. As crianças lá do campo provavelmente eram mais felizes porque tinham a natureza e a inocência como aliados e seus pais eram rigorosos na educação dos filhos. Eu, particularmente nunca apanhei, pois era do grupo dos mais comportados ou daqueles que sabiam fazer a arte na hora certa, tipo “sorrateiro”, no bom sentido. Nem todos tinham a mesma sorte, a disciplinadora varinha de marmelo, com frequência   riscava as pernas dos calças curtas.


Mesmo que todas as crianças sejam imaginativas, algumas poucas brincadeiras eram parecidas com aquelas da gurizada da cidade, talvez o jogo de bola, com uma diferença: os do meio rural jogavam com os pés descalços, o tal de tênis era artigo de luxo. Subir em árvores e tomar banho de açude foram minhas artes preferidas, mesmo quando as pernas ficavam tapadas de sanguessugas e tinha que arrancar com os dedos uma por uma. Pra quem não sabe, a sanguessuga é um anelídeo, animal hermafrodita, que possui ventosas e se alimentam geralmente de sangue. No Rio Grande do Sul, os guris do campo chamam de “chamichungas”.


Bah... Mas isso era saudável?  Claro, no meio rural existe um universo imaginativo para as crianças explorarem o faz-de-conta e tudo que existe na natureza possui seu fundamento, aprendi que para qualquer enfermidade ou machucado dos arteiros, ali mesmo nos campos, rios e florestas existe o tratamento adequado, mesmo a grudenta chamichunga é utilizada pela gente da cidade, nos tratamentos medicinais, estéticos e terapêuticos.


Mas os tempos mudaram e atualmente até os meninos do campo estão se esquecendo das brincadeiras e aderindo a modernidade das novas tecnologias. Recentemente, entrevistando alguns pais do meio rural, que nem e-mail possuem ou conhecem, todos relataram que os filhos possuem um perfil no Facebook e, que o Nintendo, o X-Box, o Playstation e outros jogos eletrônicos mais atuais que a moçada conhece, já estão ultrapassados. 


Fiquei realmente preocupado. Será que os meninos do campo estão virando marionetes da tecnologia e estão entregando suas vidas ao controle sem fio e sem volta dos jogos eletrônicos? Se isso estiver acontecendo, certamente vão estar perdendo o encanto de ser criança, daquela que ao abrir a janela reconhece o canto dos pássaros. Acredito que cabe aos pais impor limites e mostrar, que os “bips” são sons forjados pela indústria alienante e que é bom ser criança lá no campo.




Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Primeiro o livro


Era uma vez um ouriço que voltava de viagem num luxuoso trem maria-fumaça. E vinha assobiando uma alegre canção. Mas, de repente, nosso herói ouviu uma conversa que o deixou todo arrepiado. Na cabina ao lado, dois cães falavam em explodir o trem com dinamite, assim que chegassem à estação de Pelotas. 

Quando o trem parou em frente a uma fazenda, para deixar passar uma boiada, os dois cães desceram... “Depressa, antes que nos vejam”, disse um dos cachorros dinamitadores. Mas, do trem, o ouriço que observava tudo encontrou uma solução. Começou a gritar a primeira coisa que lhe veio à cabeça para chamar a atenção de todos: “Encontrei ouro na linha do trem! Ouro!”.

O coelho veio correndo, o porco também e depois toda a cidade, todos os animais. Mas o ouro era falso, pedras amarelas de uma velha mina abandonada. Os animais, em um primeiro momento, ficaram furiosos. Só depois que ficaram sabendo que o ouriço havia salvado a todos de uma grande explosão. Quando os animaizinhos souberam da verdade correram para abraçar o herói. E assim, todos receberam o castigo pela ganância, pois abraçar um ouriço não é coisa muito agradável.

Caros leitores e leitoras... Este foi o primeiro livro que li, da Coleção Era Uma Vez, presente da minha querida professora Marli Almeida Villela. A história infantil é fragmento da minha inserção no mundo da leitura. No livro comecei a formar minhas primeiras imagens através da imaginação dos personagens e das situações de improviso e senso que a vida oferece. Entre estas, o dualismo social do herói/bandido, a mentira/malandragem e a ganância/punição. 

O livro é transformador e uma fonte de conhecimentos para tudo, desde os infantis até os mais complexos, ele proporciona momentos de prazer, suspense, romantismo e tantas outras sensações possíveis de mexer com a gente. Estamos precisando exercitar nossos neurônios. A Feira do Livro é uma ótima oportunidade de buscar a própria mudança e proporcionar que outras pessoas mudem. 

Só não quero contar aqui esta história: era uma vez... Um menino internauta que não conheceu o livro.

Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com