domingo, 4 de maio de 2014

Ouvir e observar



Defendo o pensamento de que todo o comunicador deve ser um bom ouvinte. Estar com a mente aberta para escutar de tudo e a todos é o caminho mais seguro para a comunicação dialógica. Nosso meio rural é potencialmente rico em histórias e estórias e as pessoas estão quase sempre ávidas a encontrar alguém com quem possa compartilhá-las.  Eis uma ótima oportunidade, para o profissional do jornalismo: escutar sem pressa, melhorar seus conteúdos e inseri-los em contextos mais abrangentes.

Ouvir e observar ajuda também na reflexão, a comunicação é potencializada quando o comunicador reúne estas qualidades básicas e raras no jornalismo contemporâneo. O processo de observar pode ser comparado a um estado de espírito, nesse devemos nos despir de pré-conceitos e refletir sobre o fato observado, sem deixar que as emoções dos nossos sentidos comprometam nossas ações. 

O olhar esperado do observador é medido pela capacidade de perceber com clareza, sem julgamentos. A vida nos oferece diariamente inúmeras oportunidades de aprender pela observação e, agir por impulso, sem a reflexão, nem sempre é a melhor saída. A necessidade imposta pelas novas ferramentas e tecnologias para comunicação, parece nos levar para um mundo “aparentemente” fértil de conteúdos, mas ao mesmo tempo desconectado das vivências e da capacidade de ouvir.

Aprendi, no campo, junto com o agricultor, a compreender e praticar tempos distintos: que a agilidade necessária nas redações é importante para a eficiência do trabalho no fechamento das edições; que o tempo para escutar e observar o meio rural não tem nada a ver com isso. Equalizar essa questão é o desafio constante daquele que conta histórias para os meios de comunicação.


Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com 

sábado, 3 de maio de 2014

Festa dos animais


As informações sobre desperdícios em áreas fundamentais como saúde e educação povoam os noticiários das mídias brasileiras e, infelizmente são maioria sobre as poucas boas novas que gostaríamos de ler, ver e ouvir. Independentemente de governos, seguidamente ficamos sabendo que algum hospital está pronto para funcionar e faltou a pintura, que o estoque de medicamentos passou da validade por falta de algum tipo de liberação ou que a merenda escolar estragou em algum depósito e muitas crianças ficaram sem comer. Isso sem falar nas adulterações e falsificações de produtos consumidos diariamente pela população.

Vivemos realmente num mundo animal, onde o comportamento dos seres humanos parece ser a criação do imaginário, uma farra na floresta onde cada um quer defender seu espaço, com unhas e dentes e, ninguém quer deixar sua área de conforto. Mesmo que isto represente prejuízos a centenas, milhares e milhões de pessoas. Encontrei esta fábula, que provavelmente combina com esta “festa animal”.

“Os animais se reuniram na floresta para fazer uma festa. Trouxeram bolos, refrigerantes, salgados, etc. Quando eles foram comer, viram que tinham se esquecido de trazer o abridor de garrafas. Aí falou o Leãovai Arara buscar o abridor lá na cidade!
Não, é muito longe, vá você Onça ― falou a Arara.

Não, é muito longe, vou cansar minhas patas. Vá você, bicho Preguiça! ― replicou a Onça.
- Tá bom, só vou com uma condição, que é a de vocês não comerem nada até eu voltar ― disse a Preguiça

Os animais responderam em uníssono: - Tá bom, nós prometemos.
Passou um dia, uma semana, um mês, um ano, e os animais tudo magrinho, a comida já estragada, aí o Leão falou:
Ah! Vamos comer. O bicho Preguiça não vai mais voltar.
Foi quando o bicho Preguiça saiu de traz de uma árvore, e falou:
- Tá vendo se eu fosse...”.

Na fábula, como podemos perceber, a festa na floresta ocorre com animais de diferentes espécies e todo o alimento se perdeu pela desconfiança e por não acreditar no outro. Entre os animais da outra festa e da mesma espécie encontramos muitas coincidências e por incrível que pareça, mesmo sendo considerado uma espécie animal superior, ainda temos um comportamento indigno para com nossos semelhantes.



Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

domingo, 20 de abril de 2014

O Coelho Sabido


Quem tem filho, neto, sobrinho, afilhado ou convive com alguma criança seja menino ou menina, por certo já ouviu falar do Coelho Sabido. Um bichinho que mistura sabedoria, vivacidade, fragilidade, velocidade, meiguice e outras tantas qualidades que encantam os pequeninos. Nas fábulas e histórias infantis o coelho é sempre do bem, embora alguns adultos tenham criado algumas versões contrárias para alimentar a imaginação dos que surrupiam qualidades naturais para fazer maldades em pele de coelho.

Os significados de “sabido” dado ao coelho nas histórias infantis é o de conhecedor, perito, versado e prudente. Qualidades que se confundem com a do coelho “esperto”, nessas ficam mais evidentes a vivacidade, a agudeza, a astúcia, a manha, a ronha, a trapaça e outras formas de espertezas tão conhecidas no nosso ardiloso meio político.

Em anos eleitorais, quem for um pouco mais atento poderá perceber as diferenças entre o “coelho sabido” e o “coelho espertalhão”. Embora pequenas, existem diferenças sutis, mas que estão impregnadas no discurso. Nesta corrida, o sábio usa da inteligência, é habilidoso, preciso, claro e vivaz. O espertalhão é industrioso, confunde e embaralha as cartas para atrapalhar a corrida. Atitudes típicas da esperteza.

Na corrida dos dois coelhos “eu fico com a pureza das respostas das crianças”, como diz a letra da música do saudoso Gonzaguinha. Prefiro as histórias do coelho sabido, pois elas ensinam lições básicas que estamos perdendo como não roubar, não trapacear, ajudar os outros sem esperar nada em troca. O coelho sábio se importa com o outro, mesmo que este não tenha afinidade, ele ajuda a encontrar o caminho.

Para não fugir do espírito da Páscoa lembro a fábula do menino Jesus e o Coelho da Páscoa: “Perto da casa do menino Jesus, um passarinho construiu seu ninho. Todas as manhãs, Jesus era acordado pelo alegre e bom canto da avezinha.
Certa manhã, porém, ele foi acordado pelo piar aflito e viu que a mãe do passarinho chorava desconsolada, pois a raposa havia roubado os seus ovinhos. O menino Jesus ficou triste e saiu pelo campo, pedindo aos bichos que passavam que o ajudassem a encontrar os ovinhos roubados. Nenhum bicho podia ajudar. Foi então que o coelho colocou as orelhas para fora da toca e disse: - Jesus se quiser, eu posso te ajudar.

A raposa já havia comido todos os ovinhos. O coelho resolveu então pedir um ovinho para cada um dos passarinhos que conhecia e levou a Jesus. O menino colocou os ovinhos no ninho da mãe passarinho, que aceitou a ninhada. “Como recompensa de Jesus, o coelhinho ficou encarregado de distribuir ovos de Páscoa para todos”.


Este é o Coelho Sabido, também o Coelho da Páscoa!

sábado, 12 de abril de 2014

O perigo da crítica construtiva


O despreparo de algumas pessoas que exercem papel de liderança, por certo já desmotivou e escondeu muitas potencialidades. Durante o caminho profissional conheci muitas chefias, que em nome da crítica construtiva, causaram estragos profissionais e até mesmo psicológicos em jovens com futuros promissores. Para aqueles que persistem, a vida pode oferecer oportunidades de ver o tanto que foram bons e o quanto seu chefe não teve a habilidade necessária de um líder.

É raro ver alguém sair sorridente e feliz após a correção de rumo inábil da chefia. A crítica pura e simples machuca, principalmente quando a tarefa ou o ato é realizado na maior das boas intenções. A pessoa criticada fica com a auto-estima abalada, na defensiva e algumas vezes com raiva, por não ter sido bem preparada, muitas vezes pela própria chefia. Tenho como certo, que todo líder deveria ser preparado para exercer a função.

Na carreira profissional, a vida me ofereceu oportunidades de estar dos dois lados: Hora como líder, outra na condição de comandado. Confesso que a experiência militar de soldado, a primeira mais contundente e severa, depois da instrução familiar e escolar, foi decisiva no início da formação. A obediência aos símbolos nacionais, o cumprimento de horários e principalmente o reconhecimento das hierarquias foram fundamentais na disciplina do trabalho, mesmo discordando de alguns métodos militares.


Foi vivenciando experiências, na prática que aprendi algumas lições de liderança e neste espaço desejo compartilhar: É fundamental reconhecer que os pontos positivos de qualquer trabalho são mais ou igualmente importantes; que até mesmo os mais críticos são capazes de fazer elogios; o momento da crítica é quando o comandado está abaixo dos padrões e não em todo momento; o objetivo da crítica é para elevar aos padrões desejados e não motivos pessoais ou políticos; a crítica não deve corroer a auto-estima ou a confiança da pessoa; precisamos reconhecer que a forma como tratamos nosso liderado pode ter contribuído para desempenho não esperado.                    

Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Pressão que induz ao erro



Nesta semana mais um operário que trabalhava na construção de estádios para a Copa do Mundo no Brasil perdeu a vida ao cair de uma altura de quase dez metros, quando cumpria ordens de serviço na montagem de arquibancadas móveis, no estádio Itaquerão, em São Paulo. Fábio Hamilton da Cruz havia conseguido seu primeiro emprego com carteira assinada e está entre os oito mortos em acidentes ocorridos nos estádios, número superior as mortes ocorridas nas obras para a Copa da África do Sul. Provavelmente o jovem assistente de construção tenha sido mais uma vítima fatal da pressão sofrida pelos trabalhadores para concluir obras atrasadas.

Se a pressa é inimiga da perfeição, também é algo maléfico para as coisas bem feitas ou produzidas com planejamento. As obras para construção de novos estádios, além do desperdício com investimentos públicos gigantescos, deixa descoberto áreas vitais para as pessoas, tendo em vista a precariedade de estruturas de saúde, segurança e educação, compromissos constitucionais do Estado para com seus cidadãos. Os atrasos parecem ser de propósito ou até mesmo uma forma de pressão para conseguir mais recursos e assim alimentar a cultura do desvio de verbas, uma prática maléfica para uma sociedade,  onde poucos ganham ao custo do suor e tragédias sofridas pelos mais humildes.

Na verdade, a pressão existe em vários setores de trabalho e poucos pressionados sabem lidar com a situação. Infelizmente, por posições nada democráticas das chefias ou por completa falta de sensibilidade, ao longo da vida, já vi muitos talentos se perderem e os prejuízos acabaram sendo drásticos para ambos. Na área da comunicação, por exemplo, a pressão diária das chefias pela informação mais rápida e instantânea vem induzindo cada vez mais os profissionais ao erro. Parece que estamos assistindo o filme “Tempos Modernos” do Chaplin, onde a produção sai em série e as peças são todas iguais, em quantidade, sem qualidade e as pessoas são consideradas máquinas, com pouco ou nenhum tempo para pensar.

Como fazer para resistir a pressão? No esporte temos um bom exemplo de disciplina tática. Quantas vezes assistimos um time grande pressionar um pequeno e este resistir até sair vitorioso. Acho que devemos nos preparar para suportar os sufocos em qualquer profissão e tudo depende de uma boa estratégia. As vezes aprendemos com o próprio andar da carruagem, conhecemos os atalhos, valorizamos as paradas para ganhar fôlego, conversamos com um amigo ou alguém experiente sobre o assunto e nos fortalecemos para enfrentar as pressões diárias do trabalho, que são perfeitamente normais, pois o sucesso é o resultado da maior quantidade de acertos e da minimização de erros.


Marco Medronha       mmedronha@hotmail.com

sábado, 5 de abril de 2014

Renovação pela pintura em ovos


Existem muitas histórias antigas e lendas sobre as origens da pintura em ovos. Entre estas conheci no município de Don Feliciano, a Pisanki de Páscoa, uma cultura preservada até os dias de hoje pelos imigrantes poloneses daquela região. A utilização de técnicas centenárias de pinturas coloridas em ovos, se caracterizava no presente favorito destes imigrantes, na época da páscoa.

Na tradição polonesa, antes mesmo de serem trabalhados com belas pinturas, os ovos eram cozidos em concentrados de casca de cebola, casca de carvalho, hastes de trigo, flores de malva ou violeta. Além de ser um belo presente, as pisanki serviam para diversão, vários jogos e concursos alegravam as famílias e a comunidade. Mas o significado mais importante era o desejo de boas festas, um sentimento profundo de renovação da amizade e admiração ao próximo.

No nosso meio rural, aqui mesmo na zona sul, antes de conhecer a “indústria do chocolate”, convivi com a rica experiência de produzir o próprio cesto de páscoa. Eram momentos de celebração em família de muita alegria, pois além de rechear as cascas de ovos com amendoim açucarado, apreendi técnicas de pinturas e colagens que deixavam cada cesto como único, personalizado. Ali estava impregnada e associada a mensagem cristã mais valiosa, na qual comemoramos a ressurreição de Jesus.

A pureza destes momentos certamente foi engolida pelos apelativos e gigantescos ovos de chocolate. Hoje quem recebe ovos de páscoa, presta mais atenção nas embalagens, no volume e nas marcas consagradas. O consumismo das pessoas está acabando com sentimentos verdadeiros que a Páscoa representa. Nada contra o chocolate, que na história tem seu simbolismo de prosperidade e qualidade de vida. Aliás, assim como os ovos de galinha ou ganso decorados e a técnica pisanki, os ovos de chocolate também podem ser produzidos em casa, em comunhão familiar.

Não podemos nos esquecer de produzir também em chocolate, o Coelho da Páscoa, pois nesta data comemorativa, ele está associado simbolicamente a fertilidade, pela grande capacidade de reprodução. No antigo Egito, o coelho representava o nascimento e a esperança de novas vidas.

Se todas estas mensagens estiverem bem claras para quem dá ou recebe um presente de páscoa, nada impede as pessoas de adquirirem tantos ovos ou quantos coelhos desejar, afinal todos tem liberdade para decidir o que fazer com o tempo ou dinheiro. Mas precisamos avaliar qual desses recursos é mais valioso para a vida.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

sexta-feira, 21 de março de 2014

Safras frustradas

Foto: Deise Froelich

O trabalho no campo é notadamente, uma atividade de risco onde o agricultor sempre paga para ver. Os principais custos de produção para dar início a um cultivo são os gastos com sementes, fertilizantes e adubos. Depois vêm os tratos culturais, prevenção ao ataque de pragas, controle de doenças e quando está pronto para colher fica sujeito ao preço fixado pelo mercado ou na mão de compradores, que quase sempre pagam muito menos, deixando uma margem de lucro minguada ou quase nenhuma.

Depois de se submeter a todos estes fatores de produção, o trabalhador rural ainda está sujeito a uma variável incontrolável, o clima. Em todo o País, as variações climáticas configuradas por chuvas em excesso, estiagens prolongadas, altas temperaturas, quedas de granizo, geadas e outros eventos da natureza deixam marcas profundas. As frustrações de safras sucessivas também são responsáveis pelo êxodo rural e o abandono das atividades.
Produtores rurais da nossa região passam atualmente por muitas dificuldades. 

Nos municípios de Tavares, São José do Norte e Rio Grande, a cultura da cebola, por sucessivas safras acumula prejuízos pela desorganização do setor e por fatores climáticos adversos, como o calor excessivo somado as chuvas. Os pescadores de camarão das nossas Colônias, também remam contra a maré, por anos a fio. Nesta safra, o crustáceo não apresentou tamanho suficiente para a captura e comercialização.

Aqueles que aderiram o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) ou programas oferecidos por seguradoras privadas conseguem minimizar os prejuízos. Contudo, no momento do pagamento das indenizações é comum que o valor esteja em desacordo com as condições estabelecidas pelos programas.

Os mecanismos existentes de apoio as famílias, tanto judiciais quanto governamentais, não são ágeis o suficiente para situações emergenciais. Quase sempre, as famílias após frustrações de safras estão descapitalizadas e os recursos chegam atrasados. Enquanto isso, o dono do armazém apresenta a conta do “caderno”, onde tudo é anotado para pagamento na colheita e a economia das localidades sofrem em cadeia. 

Uma saída para superar as dificuldades é a busca do diálogo entre devedores e credores. O entendimento entre eles é fundamental, pois além dos danos financeiros e psicológicos, a frustração de safra pode levar a depressão e não raramente a tragédias.

Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com