domingo, 22 de março de 2015

A comunicação e o êxodo rural

Desde os tempos de criança e, lá se vão décadas, ouço falar no tal “êxodo rural”, evento caracterizado pela migração das pessoas do campo para os centros urbanos, geralmente em busca de melhores condições de vida. Na escola as imagens que apareciam eram dos retirantes nordestinos, os quais fugiam dos desastres naturais como a seca, que não permitia a produção de alimentos ou as chuvas de março, que expulsavam famílias de suas terras.

Aquela situação apreendida no colégio parecia estar longe da realidade dos pampas, no qual sofríamos com os invernos rigorosos, mas com as quatro estações bem definidas. Para viver bem era apenas necessário um pedaço de terra pra plantar e colher, alguns animais de criação e um bom rádio de pilhas. Em casa a mãe escutava a “Hora da Ave Maria” e o meu pai, mais tarde “A voz do Brasil” e por vezes o futebol. Na comunicação, o meio rádio era soberano e a televisão era privilégios de poucos.

Um aparelho de TV, na época era um sonho de consumo e vendia um mundo de fantasias para muitas famílias, que eram felizes sem TV e não sabiam. Que ilusão... A televisão mostrava as fábricas e as oportunidades de trabalho, o progresso, carros, pessoas elegantes e educadas. Também mostrava, como contraponto, os filmes do Mazzaropi, grande artista do cinema brasileiro, mas que fazia uma caricatura do homem rural, naquele tempo já ironizado pela gente da cidade. O homem do campo, valioso desde sempre na sua arte de plantar sentia vergonha da profissão. Os jovens não queriam mais a profissão do pai e sim aquela vida assistida e imposta pela TV.

O problema que toda a evolução da comunicação custa muito a chegar no campo, a internet é um exemplo disso. Atualmente, segundo o IBGE, cerca de 30 milhões de brasileiros residem nas zonas rurais e o número de domicílios com a nova tecnologia chega no máximo a 4%. Um bate papo nas redes sociais, sobre o tema me chamou a atenção: “Olá... Sou brasileiro e vivo na Europa e gostaria de saber porque meus irmãos moram numa fazenda no Brasil, no estado do Mato Grasso do Sul, não possuem e precisam andar uns 8 quilômetros para poder fazer ligações pelo telefone. Quando terá internet aí pra eu poder me comunicar com eles?”. Também gostaria de saber.

Hoje compreendo que nos grandes projetos dos governos e corporações, os números tem preferência e aqueles que garantem a sucessão deles estão nas cidades, nas periferias, muitos deles vindos do meio rural. Quando terão a coragem de buscar uma solução efetiva? Estou certo de que se os jovens rurais encontrarem no seu meio condições dignas de sobrevivência, eles permaneceriam produzindo. Quem sabe, além melhorias na comunicação, uma universidade no campo, para que eles possam concluir seus estudos no ambiente em que vivem. Isto também é trabalhar com as minorias e proporcionar oportunidades de formar cidadãos conscientes.

Marco Medronha      mmedronha@hotmail.com

sábado, 14 de março de 2015

No coração dos gaúchos há 38 anos


Uma instituição enraizada no meio rural do Rio Grande do Sul, onde alcançou credibilidade pelo trabalho realizado com as famílias do campo, assim é a Emater/RS, referência de qualidade em extensão rural. Para comemorar o aniversário de fundação da instituição (14/03/1977), que está no coração dos gaúchos resgato parte do texto do meu livro “Histórias e Estórias no Sítio – Extensão e Comunicação Rural no RS”.

“Para revigorar e integrar o Sistema Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, foi constituída, no dia 14 de março de 1977, a EMATER/RS – Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural. Sob a coordenação nacional da EMBRATER - Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, a EMATER/RS inaugura uma nova etapa de relacionamentos com parceiros e sociedade. A solenidade de posse da primeira diretoria ocorreu em 30 de abril de 1977, na sede da FETAG. A diretoria era composta pelos engenheiros agrônomos Rodolpho Tácito Ferreira, presidente; José Inácio Pereira da Silva, diretor técnico; e Edmundo Henrique Schmitz, diretor administrativo. Entre as autoridades presentes no evento estavam o ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli; o presidente da EMBRATER, Renato Simplício Lopes; o secretário da Agricultura, Getúlio Marcântonio; o secretário do Trabalho e Ação Social, Carlos Alberto Chiarelli; dirigentes da FETAG, OCERGS e FARSUL; técnicos da Secretaria da Agricultura, da ASCAR e de entidades ligadas ao setor agropecuário do Estado.

A EMATER/RS passava a se relacionar com a Secretaria da Agricultura, sendo a responsável pela formulação e execução da política de assistência técnica e extensão rural oficial no Estado do Rio Grande do Sul, e passaria a atuar conjuntamente com a ASCAR, mediante protocolo firmado. Sobre a nova configuração, o secretário de Agricultura, Getúlio Marcântonio, falou: “A EMATER é a vitória dos produtores gaúchos. Foram eles, através de suas entidades de classe – FETAG, FARSUL e OCERGS – que soergueram, quase do chão, a bandeira da extensão rural, onde a incompreensão a havia jogado”. Acrescentou ainda, “A nossa EMATER, que não pôde ser uma empresa pública a exemplo dos demais estados brasileiros, onde contou, inclusive, em todos eles, com o apoio da oposição, passa agora a ser uma radiosa realidade através de uma sociedade civil. Foi esta fórmula que os nossos produtores encontraram para não ficarem à margem do Sistema Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural”.

O ministro Alysson Paulinelli disse em seu discurso: “Considero histórica essa reunião, onde o Rio Grande do Sul, suplementando as dificuldades e, até mesmo, injustificáveis incompreensões, aceitou uma proposição de uma organização única, racional, objetiva e eficiente para dar atendimento a uma requisição que a cada dia mais sofrem os governos, que é a prestação de assistência técnica e extensão rural à atividade agrícola brasileira”.

mmedronha@hotmail.com

sexta-feira, 6 de março de 2015

Mulheres que tecem


Admiro as mulheres que tecem. Desde o Brasil Colônia, a tecelagem vem se consolidando como uma prática fundamental na economia das pequenas propriedades, especialmente naquelas onde a ovinocultura é a principal atividade. Na maioria das residências dos pecuaristas familiares, a roda de fiar e o tear são instrumentos que, além de produzir as roupas para vestir a família auxiliam no desenvolvimento da sabedoria do artesão ou artesã, enquanto são confeccionadas as peças do artesanato. 

Saber tecer e tingir são conhecimentos seculares que aprimoram o pensamento, na atividade dominada pelas mulheres, são elas que em casa pensam os fatores econômicos, as questões de saúde, a administração do lar, a educação dos filhos e na unidade familiar. Ser uma artesã é ser uma mulher que, no pensar abstrato encontram soluções concretas e abrem infinitas possibilidades de resultados, inclusive econômicos na propriedade.

As mulheres que tecem representam todas, que em qualquer atividade batalham por uma vida melhor, buscam a igualdade de direitos, liberdade de opinião, contra a violência doméstica, que pegam parelho com os homens e ainda com dignidade distribuem amor porque são amáveis por natureza. O valor de tudo isso, algumas vezes não tem reconhecimento dos homens, mesmo quanto possuem uma jornada tripla no trabalho.

Nos eventos agropecuários e nas reportagens rurais produzidas pelo Rio Grande do Sul afora, conheci muitas mulheres que tecem, um dos exemplos está na Zona Sul do Estado, o Fio Farroupilha. É um grupo formado por artesãs do quinto distrito de Piratini e ligado à Associação da Ponte do Império, elas confeccionam peças do vestuário a partir da lã ovina e mostram sua arte de tecer e tingir nos principais eventos da região e do estado, como a Feovelha e a Expointer.

Neste mês de março, quando comemoramos o Dia Internacional da Mulher, nossa homenagem as mulheres que realizam sonhos, que tecem e têm a coragem e a competência de mostrar um trabalho de qualidade para quem quiser ver. Junto a este grupo está também o apoio de instituições fundamentais para o desenvolvimento da cadeia produtiva da ovinocultura, entre elas a Emater/RS-Ascar, Sindicato Rural e Senar.

Aqui, em homenagem as mulheres que tecem, fica uma reflexão da música Felicidade, de Caetano Veloso. “O pensamento não é uma coisa à toa mas como é que a gente voa quando começa a pensar”.

Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

domingo, 1 de março de 2015

Os rios de nossas vidas


Rio Camaquã/RS

Os rios são indispensáveis para os seres vivos, pois milhares de espécies da fauna e da flora dependem da água dos rios, especialmente a espécie humana, que parece ignorar a importância dos rios e da água para o planeta. Os rios abastecem grande parte da água consumida pela humanidade, que a consome para beber, higienizar-se, cozinhar e conservar alimentos, na irrigação para o cultivo das plantas, para fornecer aos animais, na navegação, entre outras utilidades.

Segundo dados da Unicef, embora aproximadamente 70% do planeta Terra seja composto de água, há no mundo, atualmente, cerca de 800 milhões de pessoas sem acesso à água potável. Entre as causas aparecem o êxodo rural caracterizado pela migração da população de áreas rurais para urbanas, o crescimento demográfico, os processos de industrialização, o mau uso da água, a contaminação dos rios, práticas agrícolas equivocadas, entre tantos malefícios, dos quais tem como protagonista o próprio homem.

Os rios que também são fonte de alimento e sustento para muitas comunidades e também por isso é indispensável preservar seus recursos naturais porque eles são a sustentabilidade da vida. A ideia de conservação e respeito a natureza deve ser, principalmente, o caminho daqueles que vivem ao seu entorno e dependem dos rios para a sobrevivência. Cada pessoa que interagir com um rio deve ter a consciência de que zelar pela natureza é muito mais do que ser apenas um guardião, mas sim uma atitude de cidadania.

Entre os rios que conheci, um em especial marcou minha existência, o Rio Camaquã. Nele aprendi a nadar a favor e contra a correnteza. A lição que tirei para a vida foi de que é necessário ter calma a cada braçada, respirar sem afobamento, refletir antes das decisões e acima de tudo ter um momento para descansar e recuperar o fôlego, deixar o corpo boiar nas águas com cuidado para não ser levado pela correnteza.

Por certo, o Rio Camaquã também faz parte da vida de milhares de pessoas porque é um dos mais importantes do Rio Grande do Sul. É um afluente da Lagoa dos Patos, que, por sua vez, deságua no Oceano Atlântico. A bacia do Rio Camaquã é formada por 26 municípios: Amaral Ferrador, Arambaré, Arroio do Padre, Bagé, Barão do Triunfo, Barra do Ribeiro, Caçapava do Sul, Camaquã, Canguçu, Cerro Grande do Sul, Chuvisca, Cristal, Dom Feliciano, Dom Pedrito, Encruzilhada do Sul, Hulha Negra, Lavras do Sul, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini, Santana da Boa Vista, São Jerônimo, São Lourenço do Sul, Sentinela do Sul, Tapes e Turuçu.

Marco Medronha  mmedronha@hotmail.com

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Depois que o samba parar


Todo ano é assim, o povo vive a ilusão de mais um Carnaval. A festa popular é bastante conhecida, pelos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e está atualmente no Guinness Book como o maior Carnaval do mundo, com um número estimado de 2 milhões de pessoas, por dia, nos blocos de rua da cidade. Em 1995, o Guinness também declarou o Galo da Madrugada, da cidade do Recife, como o maior bloco de carnaval do mundo, mas por todo o Brasil a contraditória folia anima as pessoas e faz suas vítimas. 

Quando termina a festa do Carnaval começa o inevitável choque de realidade, pois infelizmente a alegria das pessoas virou um grande comércio, enquanto muitos milhões se divertem por prazer, em nome da alegria, outros poucos faturam alto e o país contabiliza mortes por ingestão de álcool, drogas e violência no trânsito. Os bandidos, em todas as esferas estão por todas as partes se aproveitam do estado de transe da população para realizar assaltos. O conjunto de atos violentos contra a sociedade vai desde a explosão de caixas eletrônicos por bandidos comuns até práticas mais arquitetadas, embora antigas como o aumento de impostos (água, luz, combustível, taxa de juros...).

Na origem, o Carnaval é uma festa que é marcada pelo "adeus a carne" que a partir dela se fazia um grande período de abstinência e jejum, como o seu próprio nome em latim "carnis levale". A festa teria surgido na Grécia em meados dos anos 600 a 520 a.C, os gregos realizavam seus cultos em agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e pela produção. Grande ironia... com o atual aumento do preço da carne e de outros alimentos, o jejum do brasileiro vai ser inevitável, a inflação bate à porta e junto vem as contas vencidas, o IPVA, IPTU, o material escolar e o terrível Imposto de Renda.

Aqui me coloco totalmente favorável aos festejos populares, eventos riquíssimos, na forma da preservação cultural de várias regiões do Brasil, inclusive o Carnaval. Também a favor do Samba, um gênero musical de raízes rurais, africanas, com suas características originais e símbolo da cultura negra que se alastrou por todo o território nacional. 

Sou contra a prática de escravização e exploração do povo, em nome de uma celebração tão marcante para nossa gente, como o Carnaval. Depois que o samba parar, a vida tem que continuar, mas com dignidade pois nossa gente não pode continuar refém de oportunistas, daqueles impostores de discurso alegórico e maquiavélico.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Porteira, ritual de passagem


Quem mora no campo conhece bem a figura da porteira, as vezes imponente outras modesta, em sua estrutura de madeira ou ferro, ela serve geralmente para guardar entradas na propriedades rurais. Desde dos tempos mais antigos, a finalidade de uma porteira ou cancela é de forma simplista controlar o trânsito de pessoas, veículos e do gado no curral, já que também pode abrir e fechar para o manejo dos animais na pecuária.

Esta invenção milenar pouco evoluiu com o tempo, pois embora os “meninos” tenham se tornado homens, a porteira continua no campo com sua forma bastante rústica de produção e operação, apenas os calouros ou iniciantes no convívio rural encontram dificuldades para abrir uma porteira ou cancela. Mesmo com suas trancas a função de proteção à propriedade apresenta pouca resistência. Porém, a sensação de abrir uma é diferente para cada pessoa ou situação.

Na vida encontramos muito mais porteiras do que podemos imaginar e se pararmos um pouco para pensar abrimos e fechamos porteiras todos os meses, todas semanas, todos os dias, todas as horas, minutos e até em segundos. As decisões fazem parte do nosso cotidiano e são como porteiras que poderão fechar-se para sempre ou manterem-se abertas, gerando tantas oportunidades quantos forem os acertos e, disso depende nossas atitudes em relação ao próximo. 

Muitas vezes, sem que percebamos somos as próprias porteiras ou cancelas. Talvez cancelas, quando nossas atitudes se tornam complexas e as relações indiferentes, quando não valorizamos pequenas ações daqueles que estão próximos, aí provavelmente estaremos fechando cancelas. Acho melhor ser uma porteira composta, de duas folhas, com palanques definidos, em madeira duradoura, como a aroeira, com dobradiças flexíveis e trancas para dar segurança e passagem, quando necessário.

Porteira ou cancela são mais do que ritos de passagem, elas não são apenas estruturas físicas das propriedades rurais e sim, também estão presentes no cotidiano de nossas vidas. Elas estão no imaginário dos seres tidos como racionais e podem representar passagens fáceis, complicadas e concretas. Acredito que o importante é estar “aberto”, enfrentar os desafios com coragem e entender que as porteiras fazem sentido quando não se fecham à mediação com as pessoas.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Ao sabor do mate


O mate que me refiro é a erva-mate (Ilex paragurienesis), que nós gaúchos chamamos de chimarrão. O termo mate, como sinônimo de chimarrão, é mais utilizado nos países de língua castelhana, a mesma uma bebida característica da intrínseca dos habitantes da América do Sul. Os estudiosos da tradição sabem que adquirimos um hábito, um legado das culturas indígenas quíchuas, aimarás e guaranis.

O conjunto bomba, cuia e erva-mate saíram das aldeias para ocupar lugar cativo nos escritórios, nas repartições públicas ou particulares. O hábito de sorver um mate com erva moída fina ou grossa passou a ser uma prática quase obrigatória e, porque não dizer um vício. Nas reuniões das quais participo com freqüência, lá estão os participantes, às vezes contrariando as tradições: Cada um com seu conjunto de chimarrão individualizado como se estivessem a matear sozinhos. 

Em algumas vezes me incluo neste grupo e tento entender está lógica. Pois bem... Quando sorvemos nosso mate quente com sabor quase amargo experimentamos sensações de coragem e até de clarividência, em alguns segundos parecemos elaborar perguntas ou respostas mais consistentes. Sou daquelas pessoas que não tenho respostas prontas e em algumas vezes encontramos indivíduos que tem prazer de fazer perguntas inesperadas, às vezes mal intencionadas, só para colocar o outro na famosa “saia justa”. Nestas ocasiões queria sempre ter uma resposta ao sabor do mate.

Talvez seja por isso que o mate individualizado, no grupo comece a fazer sentido para algumas pessoas, se pensarmos na vida competitiva atual, onde o indivíduo precisa provar em todo momento que é capaz. No mundo dos concursos, onde aparentemente este possa ser uma ferramenta de justiça, já vi muita gente boa fora e outros tantos muito ruins dentro. Porque isso me incomoda? - Respondo ao sabor do mate: Diferente da concepção original do mate compartilhado, em um mesmo grupo com objetivos iguais, as pessoas são percebidas como concorrentes e não mais como parceiros.

Que a ideia original do mate seja perpetuada, que na roda de mate cada um possa ter um tempo para sorver, pensar e ter consciência do no que dizer. Que o hábito de matear “solito” aconteça quando estiver realmente só.  Que o mate possa ser tomado, não como uma forma maquiavélica de trapaça, mas como algo espiritualizado, saboreado como partilha do conhecimento e da parceria.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com