domingo, 23 de agosto de 2015

A superação pelo cooperativismo


Foto: Letícia Schinestck


Antiga Vila independente de Santa Isabel dos Canudos, hoje Distrito de Santa Isabel, em Arroio Grande teve, em 1790, ano de sua fundação, um passado promissor. A localidade, que recebeu a visita do imperador D. Pedro II, tinha no charque sua principal economia, graças à localização privilegiada nas margens do canal São Gonçalo e pela proximidade da Lagoa Mirim.

A população de Santa Isabel tem cerca de 900 habitantes, com 120 pescadores cadastrados. Durante sua história passou por momentos difíceis de enfrentamento as enchentes, desativação da balsa que liga Arroio Grande ao município de Rio Grande e até mesmo pela escassez do pescado. Muitos moradores da localidade atribuem a falta de crescimento da localidade, a maldição do padre que morreu apedrejado há mais de 100 anos.

A tragédia que havia caído no esquecimento dos moradores, voltou à tona durante a reforma da igreja. Na ocasião foi encontrado em um caixão, restos mortais e alguns objetos, entre eles uma batina e um crucifixo.  O motivo místico que assombrou a população no passado e levou muitas pessoas, principalmente jovens, a abandonarem o lugar ressurgiu e intrigou a todos.

Mas a gente de Santa Isabel não se entregou ao destino e apostou na força do cooperativismo, justamente ao apostar na principal vocação de seus moradores, a pesca. A motivação da comunidade para virar o jogo foi o ponto de partida para buscar o apoio de várias instituições do âmbito municipal, estadual e federal. Governos e pessoas uniram-se aos pescadores e fundaram a Coopesi – Cooperativa de Pescadores de Santa Isabel.

Os recursos do projeto cooperativo possibilitaram ainda outras melhorias na comunidade, entre elas a água potável, a fábrica de gelo, reformas em prédios e praças e movimento no comércio. Enquanto os pescadores estão na lagoa, em busca dos peixes de água doce, as mulheres trabalham na cooperativa e aproveitam a traíra, o peixe preferido, na sua forma integral. Na Coopesi, elas preparam o filé, tirinhas, bolinhos e a grande novidade: a bochechinha de traíra, vendida para o Projeto de Alimentação Escolar no município de Arroio Grande.

Sair em busca do pescado para sustentar a família está deixando de ser uma incerteza. Quem visita Santa Isabel percebe otimismo de quem trabalha, enquanto as crianças alheias aos fantasmas do passado, frequentam a escola e brincam nas praças aproveitando as melhorias na comunidade.

Quanto a comercialização... Tudo vai bem, a Coopesi recebe assistência do município e do estado em gestão cooperativa, o pescado já tem mercado em outros municípios. Neste ano, a exemplo do ano passado quando comercializou tudo, os pescadores cooperativados ganharam espaço inclusive na Expointer, a maior feira agropecuária da América Latina.

Marco Medronha  mmedronha@hotmail.com

domingo, 16 de agosto de 2015

Associação do conhecimento


Exemplos de associações com pessoas que se agrupam para superar desafios são comuns e conhecidas como práticas antigas no mundo social, embora cada nova forma associativa tenha suas peculiaridades e venha soar como novidade para os indivíduos de um grupo. A associação é uma estratégia de fortalecimento das minorias para enfrentamento das desigualdades, inclusive entre os outros animais.

De uma maneira geral, a associação é qualquer iniciativa formal ou informal que reúne pessoas físicas ou outras sociedades jurídicas com objetivos comuns, visando superar dificuldades e gerar benefícios para os seus associados. É também caracterizada como uma forma jurídica de legalizar a união dos sócios para conseguir recursos na aquisição de bens e serviços que possam trazer a melhoria da qualidade de vida e o bem estar coletivo.

No meio rural as associações permitem a inclusão social de muitas famílias no mercado e através delas a possibilidade de comercialização de suas produções. Conheci na localidade de Alto Bonito, uma associação que possuía algo diferente: A associação do conhecimento. Os produtores rurais desta região possuem em comum a pecuária familiar e através da associação compram insumos e vendem o gado. Mas afinal, onde está a diferença? Está no processo de criação dos animais em uma área biodiversa, onde técnicos e produtores manejam o gado com base na observação dos fatores naturais da flora, fauna e clima.

No trabalho da Associação dos Produtores do Alto Bonito, não existe hierarquia de conhecimentos dos facilitadores do processo, pesquisadores da Embrapa ou dos extensionistas da Emater/RS, sobre os agricultores. Existe uma união de conhecimentos históricos adquiridos pela comunidade com as ciências agrárias a serviço do respeito à biodiversidade de cada local. Os agricultores passam a conhecer melhor a sua área e realizam o manejo com o gado respeitando cada especificidade, ao mesmo tempo que compartilham com os demais associados e técnicos.

Os resultados são consistentes e ajudaram manter a integridade do Alto Bonito, entre eles: A preservação os recursos naturais da região; A auto capacitação dos agricultores familiares; A democratização do conhecimento; O fortalecimento da comunidade; A melhoria da qualidade de vida dos associados através da compra conjunta de insumos e comercialização da pecuária.

Alto Bonito pertence ao município de Pinheiro Machado e faz parte da chamada Serra do Sudeste, diversa em formações vegetais devido, especialmente, à sua variação geológica. Destacam-se afloramentos rochosos, considerados de extrema prioridade para a conservação.

Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Devemos lembrar-nos de agradecer ao agricultor


Os agradecimentos deveriam começar logo pela manhã ao sentir o cheirinho de café passado na hora e aquele pão quentinho com a manteiga derretendo sobre ele. Hummm... Que delícia! Com os sentidos aguçados saboreamos a primeira refeição do dia e saímos apressadamente para o trabalho sem ao menos lembrar que por traz daquela primeira e necessária alimentação, está o trabalho de um agricultor. 

O dia continua e gastamos energias no escritório, nas fábricas, no comércio, na construção civil, nas plataformas de petróleo, nas academias, nas escolas, no esporte, na balada, no trânsito, no legislativo, no executivo, no congresso, na carga e descarga de alimentos... E nem mesmo neste momento, na hora do almoço lembramos-nos de agradecer a quem de direito, pelo feijão, arroz, ovo, carne, hortaliças e frutas, óleos e temperos que degustamos e nos regozijamos diariamente.

A noite ainda não chegou e já estamos pensando na janta, a última refeição do dia. Pode ser algo leve como uma sopa de legumes, um churrasco entre amigos depois jogo de futebol ou apenas uma pizzaria pra comemorar os resultados do trabalho, ou ainda, um Chopp com colegas para desopilar e jogar conversa fora. Lugares onde se fala de tudo, mas não lembramos jamais que por traz muitos momentos nossos de prazer e felicidade está o trabalho de um agricultor.

Não preciso dizer que o agricultor é uma figura estereotipada como alguém sem cultura, que trabalha na roça e muitas vezes é motivo de chacota na cidade. Mas chamamos de agricultor, aquele que prática a agricultura e pecuária e que produz alimentos para nutrir as populações. Desta forma, o valor do trabalho do agricultor deve ser, no mínimo ensinado às nossas crianças, para que elas não cresçam pensando que leite e ovos saem das caixinhas e, que o arroz e feijão veem das prateleiras dos supermercados.

Mesmo que o dia 28 de julho, dia do nosso agricultor tenha passado é fundamental que tenhamos consciência da importância dessa figura humana em nossas vidas e, que saibamos valorizar e agradecer quem está nesta profissão. Afinal, pelo menos uma vez no ano precisamos de um médico, um advogado, um arquiteto, do dentista, do taxista ou do enfermeiro, por exemplos. Mas, três vezes por dia precisamos de um colono agricultor.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

sábado, 25 de julho de 2015

Da porteira para dentro


Muito tem se falado sobre os problemas dos pequenos agricultores ou da agricultura familiar, onde as instituições indicam soluções ligadas ao desenvolvimento pela ótica do mercado, as quais geralmente são baseadas em projetos e programas que não refletem a realidade, pois são criados por estudiosos de gabinete e estão ligados aos fatores externos, os quais nem sempre dialogam com as barreiras existentes da porteira para dentro.

O certo é que há décadas, os mais de 13,5 milhões de pequenos agricultores na América Latina vivem uma realidade parecida e enfrentam muitos problemas e dificuldades, na maioria internos, e cuja a solução está ao alcance das famílias rurais. Pela lógica, toda a mudança deveria acontecer de dentro para fora e por isso se faz necessário resolver questões culturais, históricas e educacionais como forma de alcançar a organização do seio familiar, na comunidade e depois para fora da propriedade.

Historicamente os problemas internos crônicos tem sido ignorados e por vezes minimizados por aqueles que tem por obrigação, olhar pelas pessoas do campo. Digo isso porque a culpa não está somente com os pequenos agricultores, quem interage com as famílias deveria ao menos ouvir e tentar ajudá-los. É também uma obrigação do Estado oferecer possibilidades que possam elevar a auto-estima, a confiança e o reconhecimento pelo agricultor na sua missão de produzir alimentos. 

Cursos de formação que visem identificar as causas internas que prejudicam o desenvolvimento humano, parece ser um bom caminho. A necessidade de promover capacitações que tratem de temas enraizados nas comunidades rurais precisam de abordagem, como por exemplo, as questões de gênero. O autoconhecimento e a conscientização sobre o meio e as coisas que cercam os fatores de produção merece tratamento por gente especializada.

Antes mesmo de ensinar técnicas de plantio, colheita e comercialização temos que cuidar das pessoas. Fazer chegar os recursos financeiros primeiro é colocar a “carreta na frente dos bois”, como diz o ditado. Existe muito espaço para trabalhar a organização familiar, o planejamento das atividades, o sentido cooperativo, associação para o trabalho, lazer e convívio social.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

O ganha tempo com o diálogo


O diálogo pode ser considerado um caminho seguro para o entendimento entre as pessoas e a descoberta de novas realidades. Caracterizado pela conversa entre dois ou mais indivíduos, onde o consenso prevalece, a conversação estabelecida é processo propulsor de troca de ideias e alternativas para resolução dos problemas. A criação do diálogo veio do teatro em substituição ao monólogo, a compreensão dos fatos históricos pelo colóquio, no sentido de informar as pessoas sobre o presente é também uma estratégia de comunicação poderosa.

Um programa chamado “Dialogando com a Comunidade”, realizado no município de São José do Norte, utiliza a lógica do diálogo para promover o desenvolvimento técnico e social das comunidades rurais. Através do calendário de visitas, um grupo formado por extensionistas da Emater/RS-Ascar e secretarias municipais da Prefeitura passam o dia conversando com as famílias rurais, onde o propósito é ouvir primeiro todas as demandas, conhecer os problemas e as potencialidades, com o objetivo de elaborar um plano de ação com foco nas ações prioritárias.

Em outra etapa do programa, o grupo realiza novas reuniões com a comunidade onde o momento é de apresentar, discutir propostas para planejar avanços nas áreas de produção da agropecuária, melhorias sociais e culturais. Recentemente acompanhei um dia desses na Comunidade de Capela e pude comprovar o resultado das ações quando a origem vem do diálogo. Parece elementar que para avançar nos processos democráticos, verdadeiramente comunitários é preciso conhecer realidades, mas infelizmente isso na prática não acontece, pois as chamadas “políticas públicas” veem quase sempre de cima para baixo sem dar ouvidos para aqueles que mais precisam se expressar.

No que se refere à comunhão fática, esta forma de discurso entendida como diálogo, preenche uma função social e esse deve ser o principal objetivo. Recordando os conceitos de Benveniste (2006), “A conversa, por exemplo, é um gênero bastante desprestigiado nas teorias discursivas, isso porque conota temas aleatórios, desnecessários e que, por isso, não produzem resultados concretos”. 

Concluo afirmando que, este tipo de proposta de trabalho não é nenhuma perda de tempo, ao contrário só existem ganhos e maiores chances das políticas darem certo, além de produzir resultados satisfatórios para realmente “todos”.

Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

sábado, 4 de julho de 2015

Senha do coração


Um dia desses precisei digitar uma senha e não lembrei da combinação, após três tentativas frustradas bloquei a conta. Isso possivelmente já tenha acontecido com você, o inconveniente de ter esquecido os dígitos da senha. Nada anormal, pois com tantas combinações que utilizamos diariamente... Eu mesmo contei pelo menos 20 senhas que utilizo com frequência: Senhas de bancos, do computador, do facebook, do msn, do skipe, do blog, do cartão de crédito, do alimentação, do combustível, do cadeado e lá se vai. Muitas dessas dobradas, com letras e números.

No conceito tradicional, senha é uma palavra ou código secreto previamente convencionado entre as partes como forma de reconhecimento. Em sistemas de computação senhas são amplamente utilizadas para autenticar usuários e conceder-lhes privilégios — para agir como administradores de um sistema, por exemplo — ou permitir-lhes o acesso a informações personalizadas armazenadas no sistema. No meu entendimento a senha é um conjunto de caracteres combinados (letras e números) utilizados para acessar bens, serviços, buscar informações e até para comunicar-se, acreditem. As pessoas hoje, mesmo no mesmo ambiente, conversam pelas redes sociais.

Como era a vida antes das tecnologias da informação? Na contemporaneidade vivemos cercados de números e letras e, necessariamente as ações implicam no uso de senhas para chegar a um objetivo. Com certeza vivemos tempos de relações frias, mediadas por códigos de defesa para proteger o cidadão em seus atos rotineiros. A senha é pessoal, intransferível e foi criada para dar segurança ao usuário. Por isso, existe o conceito de senha forte ou fraca, quanto mais complexa, mais impessoal, menos possibilidade de ser violada.

Penso que a senha mais forte é também a mais simples e está dentro de nós. A senha do coração, não pelo fato de ser um órgão vital, mas sim pelo sentimento que carregamos nele. O segredo para uma vida segura, não está na complexidade e na dificuldade para os outros e sim na simplicidade de ações e atitudes, exemplos deixado por Jesus, há mais de 2000 anos. Através da senha do coração, ele mostrou que caminho para acessar a felicidade é compartilhar a sua senha com outros. Entre todas as senhas, a do coração nos ajuda a ser inviolável e conviver com todas as outras.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

sábado, 20 de junho de 2015

Agricultor Cidadão



Na chamada Era da Informação, também conhecida como Era Digital ou Tecnológica, caracterizada por invenções do tipo microprocessadores, rede de computadores, fibras óticas e computadores pessoais, cada vez mais o conhecimento passa a ser commodities, algo valioso para a tomada de decisões e, nesse contexto, estão dois personagens fundamentais para o desenvolvimento agropecuário efetivo: o extensionista rural e o agricultor, que representa é claro, toda a sua família e a classe de trabalhadores do campo.

Recebi recentemente este texto, do colega e engenheiro agrônomo, Cláudio Doro e como excelente extensionista rural que é entende perfeitamente a importância da comunicação e educação para se construir uma consciência de “agricultor cidadão”, ele diz assim:

“A comunicação traz inúmeras contribuições para se alcançar, o tão desejado desenvolvimento sustentado do setor agropecuário, destacando-se dentre elas, a que fala mais de perto do principal objetivo da Extensão Rural: trabalhar para que os produtores rurais e suas famílias participem do seu próprio desenvolvimento, aprendendo a identificar seus problemas e debater, entre si, as experiências para a solução dos mesmos, sem falar da geração de emprego e distribuição da renda.

Para a Extensão Rural, o agropecuarista não deve ser, apenas, um homem para cultivar lavouras e criar animais. Ele é uma pessoa, um chefe de família, um cidadão, um membro de comunidade e participante do desenvolvimento socioeconômico e cultural do meio em que vive.

A Extensão Rural é fundamental no meio rural, pois trabalha com a educação não formal dos agricultores familiares, têm a responsabilidade de formar um indivíduo/cidadão, sobretudo no mundo globalizado, com visão de futuro, com novas habilidades e acompanhando o que se passa, também fora da porteira, enfim exercer seu direito de cidadania.

O Extensionista rural deixou de ser apenas um repassador de novas tecnologias, para ser um comunicador e educador, exigindo aplicar seus conhecimentos de sociologia, psicologia, antropologia e ética, objetivando transformar os agropecuaristas em agentes do processo produtivo, valorizando seus conhecimentos e respeitando seus anseios”.

Por mais de 60 anos, o papel de educador e comunicador do extensionista constrói uma relação de amizade e confiança no meio rural do Rio Grande do Sul. As famílias rurais ultrapassam etapas na comunicação, embora os primeiros métodos: “visitas”, ainda sejam praticados, hoje as informações chegam também por meios massivos como o rádio e a televisão e neles o agricultor também ouve e se vê passando a ser protagonista da sua própria história.

Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com