sábado, 5 de abril de 2014

Renovação pela pintura em ovos


Existem muitas histórias antigas e lendas sobre as origens da pintura em ovos. Entre estas conheci no município de Don Feliciano, a Pisanki de Páscoa, uma cultura preservada até os dias de hoje pelos imigrantes poloneses daquela região. A utilização de técnicas centenárias de pinturas coloridas em ovos, se caracterizava no presente favorito destes imigrantes, na época da páscoa.

Na tradição polonesa, antes mesmo de serem trabalhados com belas pinturas, os ovos eram cozidos em concentrados de casca de cebola, casca de carvalho, hastes de trigo, flores de malva ou violeta. Além de ser um belo presente, as pisanki serviam para diversão, vários jogos e concursos alegravam as famílias e a comunidade. Mas o significado mais importante era o desejo de boas festas, um sentimento profundo de renovação da amizade e admiração ao próximo.

No nosso meio rural, aqui mesmo na zona sul, antes de conhecer a “indústria do chocolate”, convivi com a rica experiência de produzir o próprio cesto de páscoa. Eram momentos de celebração em família de muita alegria, pois além de rechear as cascas de ovos com amendoim açucarado, apreendi técnicas de pinturas e colagens que deixavam cada cesto como único, personalizado. Ali estava impregnada e associada a mensagem cristã mais valiosa, na qual comemoramos a ressurreição de Jesus.

A pureza destes momentos certamente foi engolida pelos apelativos e gigantescos ovos de chocolate. Hoje quem recebe ovos de páscoa, presta mais atenção nas embalagens, no volume e nas marcas consagradas. O consumismo das pessoas está acabando com sentimentos verdadeiros que a Páscoa representa. Nada contra o chocolate, que na história tem seu simbolismo de prosperidade e qualidade de vida. Aliás, assim como os ovos de galinha ou ganso decorados e a técnica pisanki, os ovos de chocolate também podem ser produzidos em casa, em comunhão familiar.

Não podemos nos esquecer de produzir também em chocolate, o Coelho da Páscoa, pois nesta data comemorativa, ele está associado simbolicamente a fertilidade, pela grande capacidade de reprodução. No antigo Egito, o coelho representava o nascimento e a esperança de novas vidas.

Se todas estas mensagens estiverem bem claras para quem dá ou recebe um presente de páscoa, nada impede as pessoas de adquirirem tantos ovos ou quantos coelhos desejar, afinal todos tem liberdade para decidir o que fazer com o tempo ou dinheiro. Mas precisamos avaliar qual desses recursos é mais valioso para a vida.


Marco Medronha    mmedronha@hotmail.com

sexta-feira, 21 de março de 2014

Safras frustradas

Foto: Deise Froelich

O trabalho no campo é notadamente, uma atividade de risco onde o agricultor sempre paga para ver. Os principais custos de produção para dar início a um cultivo são os gastos com sementes, fertilizantes e adubos. Depois vêm os tratos culturais, prevenção ao ataque de pragas, controle de doenças e quando está pronto para colher fica sujeito ao preço fixado pelo mercado ou na mão de compradores, que quase sempre pagam muito menos, deixando uma margem de lucro minguada ou quase nenhuma.

Depois de se submeter a todos estes fatores de produção, o trabalhador rural ainda está sujeito a uma variável incontrolável, o clima. Em todo o País, as variações climáticas configuradas por chuvas em excesso, estiagens prolongadas, altas temperaturas, quedas de granizo, geadas e outros eventos da natureza deixam marcas profundas. As frustrações de safras sucessivas também são responsáveis pelo êxodo rural e o abandono das atividades.
Produtores rurais da nossa região passam atualmente por muitas dificuldades. 

Nos municípios de Tavares, São José do Norte e Rio Grande, a cultura da cebola, por sucessivas safras acumula prejuízos pela desorganização do setor e por fatores climáticos adversos, como o calor excessivo somado as chuvas. Os pescadores de camarão das nossas Colônias, também remam contra a maré, por anos a fio. Nesta safra, o crustáceo não apresentou tamanho suficiente para a captura e comercialização.

Aqueles que aderiram o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) ou programas oferecidos por seguradoras privadas conseguem minimizar os prejuízos. Contudo, no momento do pagamento das indenizações é comum que o valor esteja em desacordo com as condições estabelecidas pelos programas.

Os mecanismos existentes de apoio as famílias, tanto judiciais quanto governamentais, não são ágeis o suficiente para situações emergenciais. Quase sempre, as famílias após frustrações de safras estão descapitalizadas e os recursos chegam atrasados. Enquanto isso, o dono do armazém apresenta a conta do “caderno”, onde tudo é anotado para pagamento na colheita e a economia das localidades sofrem em cadeia. 

Uma saída para superar as dificuldades é a busca do diálogo entre devedores e credores. O entendimento entre eles é fundamental, pois além dos danos financeiros e psicológicos, a frustração de safra pode levar a depressão e não raramente a tragédias.

Marco Medronha     mmedronha@hotmail.com

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Cultura quilombola no litoral

O litoral gaúcho apresenta diversidade de manifestações culturais, onde diferentes heranças são reveladas através da mistura étnica e tradições preservadas nas comunidades, muitas vezes esquecidas. Entre as quais estão os Ternos de Reis, Festas Juninas, Cantos Fandanguistas, Folias do Divino, Quicumbis, Ensaios, Embaixadas e Moçambiques.
O culto às tradições populares resiste, pelo hábito das comunidades em cultivar o respeito aos antepassados e reunir a família de torno de uma identidade. Uma grande riqueza de manifestações populares estão escondidas nos quilombos. Em Mostarda, na comunidade de Casca, conheci o mestre Antônio, um abnegado que por várias décadas comanda um Terno de Reis. Entre amigos e parentes, os músicos entoam noite adentro, cantigas de religiosidade com mensagens de amor, respeito e gratidão.
Lembro bem disso. Meu pai era cantador de Terno de Reis, no início do vilarejo que nasceu nas margens do Rio Camaquã, hoje Cristal. As cantigas eram parecidas com algumas variações, na letra, mas era a mesma batida do tambor, do pandeiro, gaita e violão. Eles cantavam até o dono da casa abrir a porta, normalmente quando a galinha ou arroz com lingüiça estivesse pronto, eles entravam e com alegria faziam uma grande confraternização.
Sem querer ser saudosista e ao mesmo tempo sendo, naqueles tempos o valor de um vizinho era diferente. Tinha um sentido diferente, os poucos recursos se somavam e sobrava solidariedade. Também lembro que havia mais compadres e comadres, os afilhados referenciavam beijando a mão do padrinho ou da madrinha. Achava aquilo muito bonito e aprendi desde cedo a ter respeito pelos aos mais velhos.
Recentemente conheci a cultura misturada dos açorianos e afrodescendentes no litoral gaúcho. Embora com ritmo musical diferente, o que é natural, o culto e gratidão a experiência é valorizada. Nos quilombos os Ensaios são mais que festividades, caracterizam-se como formas de agradecimento pela vida na comunidade, momentos carregados de alegria e sentimento, expressões tão raras no mundo potencialmente evoluído das cidades.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Cooperar é preciso



A economia rural da Região Sul é baseada na agricultura familiar, com forte apelo à produção de alimentos tão necessários para a sobrevivência das pessoas que moram aqui ou em qualquer parte do mundo, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que no ano de 2050, não haverá comida suficiente para a humanidade, para suprir a demanda deverá ocorrer um aumento significativo na produção.

É das pequenas propriedades rurais que vem os alimentos que trazem fartura a nossa mesa, uma produção que, sem exagero, pode salvar a lavoura mundial e livrar muita gente da fome. Nosso Estado ainda continua sendo um grande celeiro na produção de todo tipo de alimento, no entanto os agricultores familiares encontram dificuldades para disponibilizar os produtos. A venda é realizada de maneira informal ou pelas vias de comercialização dos municípios, estados e união. 

As famílias, na maioria das vezes, se esmeram em todas as fases do processo de produção, capricham no preparo do solo, no plantio ou semeadura, fazem os tratos culturais, a colheita, armazenamento e comercialização. A cooperação dos membros da base familiar, nem sempre é suficiente para tornar sustentável uma produção. É preciso cooperar.

Desde os povos primitivos a cooperação é fundamental, os seres humanos necessitam dos grupos organizados para vencer as adversidades, para resolver não só as dificuldades da cadeia produtiva, mas todo tipo de barreiras: Clima, fome, doenças e tantas outras, que deixam de ser problemas quando se busca apoio no cooperativismo.

Vejo com muito o otimismo o incentivo dos governos em criar programas de cooperativismo, principalmente àqueles que vêm ao encontro das necessidades das economias de base familiar. A própria extensão rural, com o apoio da pesquisa vem atuando no sentido de qualificar as produções, especialmente na agroindústria. O aproveitamento dos alimentos na sua integralidade e nas épocas de entressafra vem se sustentando e mantendo a cultura de nossos imigrantes, graças ao trabalho de profissionais competentes que atuam na organização das famílias e na manutenção de suas raízes culturais.

Na nossa região temos belos exemplos de cooperativas bem sucedidas, a começar por as do setor de “Laticínios” até os tradicionais “Doces de Pelotas”, mas muitos produtores necessitam de orientação. Na região, já existe um grupo de profissionais trabalhando no sentido de identificar problemas e demandas no setor e atuando no processo de qualificação e gestão de cooperativas, me refiro especialmente ao Programa Extensão Cooperativa da Emater/RS-Ascar, o qual começa um trabalho de introduzir melhorias técnico-gerenciais, produtivas e educacionais nas cooperativas, incentivar a criação de novas formas cooperação, com a finalidade de melhorar a competitividade no mercado.

Nas reportagens pelo meio rural, venho observando o desejo das famílias em dar visibilidade a sua produção, em vender seus produtos a um preço justo, sem precisar entregar a intermediários. Aí está um problema antigo que traz desestímulo a quem trabalha duro o ano todo e no final do processo fica na mão de oportunistas. Iniciativas individuais são válidas, mas são quase atos de heroísmo, assim vale a máxima da união para vencer as dificuldades e continuar dono do próprio negócio. Cooperar é preciso.


Marco Medronha  mmedronha@hotmail.com

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Ovelha não é pra mato

Ao percorrer um eixo formado pelos municípios de Herval, Pedras Altas e Pinheiro Machado é possível encontrar histórias de superação dos ovinocultores, os quais realizam um trabalho de perseverança na manutenção de um dos principais berços do rebanho ovino no Rio Grande do Sul. Entre grandes e pequenos criadores existem práticas comuns e necessárias para garantir a qualidade dos produtos que se diversificam desde a carne na culinária até o artesanato em lã.

Durante a visita em algumas propriedades, com o objetivo de conhecer o trabalho dos pecuaristas e as características da região, encontramos o rebanho ovino refugiado nas matas. Provavelmente, os animais estavam fugindo do forte calor que fazia naquela semana, logo lembrei de um tradicional ditado, muito conhecido entre os criadores: “Ovelha não é pra mato”. Certamente eles faziam referencia a necessidade de pastoreio dos animais nos campos abundantes da região, os quais apresentam centenas de espécies nativas palatáveis e favoráveis ao desenvolvimento dos rebanhos.

Todo pecuarista sabe que numa propriedade bem sucedida, todos os espaços possuem sua importância e finalidade. A função da mata preservada promove o equilíbrio da flora e fauna, além de servir de abrigo aos animais. Embora ali na mata não exista alimento suficiente para o pastoreio dos animais, pode ser um excelente ar condicionados para as ovelhas e seus pesados casacos de lã.

Alguns “ditos populares” parecem ficar gravados na nossa memória e soam como definitivo e nós, inconscientemente passamos a aceitá-los como verdades. Assim como no caso das “ovelhas não é pra mato”, algumas vezes, nós humanos, passamos a acreditar que nossos desejos não nos pertencem e deixamos de lutar por nossos sonhos. Os trabalhadores persistentes da ovinocultura podem buscar no seu campo de trabalho, o conforto e o equilíbrio que as matas proporcionam e, isso pode ser alcançado através de um insumo valioso a todos, a informação.

No caso dos pecuaristas familiares sair do seu reduto para trocar idéias e conhecer outras técnicas e realidades diferentes pode significar um ganho financeiro e intelectual. Encontros em eventos como a Feovelha, de Pinheiro Machado, é uma grande oportunidade para ver de perto as tecnologias para o setor, através de vários métodos como oficinas, palestras, seminários, concursos e outros meios capazes de proporcionar a inclusão em um espaço melhor de produção.

Ao voltar para a propriedade, o ovinocultor poderá perceber que ovelha pode entrar no mato quando necessitar de refúgio e que ele, deve sair dele com freqüência, a fim de acreditar em suas potencialidades.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Entre o belo e o triste

Foto: Cássio Gomes Lopes

O Pampa gaúcho apresenta características peculiares, em que contrastam o belo e o triste. Situações por vezes antagônicas, mas que podem estar em uma mesma paisagem ou situação. Para percebê-las precisamos experimentar ou pelo menos apenas viajar e deixar que os olhos possam registrar como memória fotográfica e que o coração possa interpretar os sentimentos.

Faço referencia a um planalto conhecido como Serra do Sudeste, o qual apresenta relevo bastante irregular, com formação de inúmeros cerros e solo raso caracterizado pelas aflorações de rochas. O cenário é belo, pois as rochas esculpidas com formas desafiadoras a imaginação humana podem ser apreciadas até que olhos as percam de vista.  Uma realidade encontrada no meio rural de Pinheiro Machado, a 100 quilômetros da cidade.

Neste lugar, a sensação de tristeza fica por conta das inúmeras taperas, propriedades abandonadas e deixadas para traz por projetos de produtores rurais que não vingaram. Por certo, quando a casa foi construída teria nascido ali esperança de felicidade, uma possibilidade de constituir família e de ver os filhos crescendo, indo para a escola e participando da vida em comunidade. Um lugar próspero pode atrair recursos de comércio, serviços de saúde e educação.

A locomotiva do sonho bom parou. Como se não bastasse começou a andar para traz, na contramão do tempo, desconstruindo o futuro para trazer o atraso e por consequência o descaso. Os sobreviventes parecem perguntar: Quem vai olhar por nós? Deus com certeza está vendo e mostra exemplos de persistência ao redor.

Sem fazer terra arrasada, alguns poucos criadores de ovinos lutam para a manutenção do rebanho e da atividade sócio e economicamente viável para muitos estabelecimentos, na maioria de pecuaristas familiares. A ovinocultura é uma atividade tradicional que apresenta excelentes perspectivas para os próximos anos, em função do mercado crescente de carne ovina e do interesse do jovem ovinocultor pela criação. 

Fiquei feliz ao cruzar o triste caminho das taperas e encontrar uma casa nova sendo construída, numa paisagem de campo verde, mata preservada e água abundante para a criação de um novo rebanho. No comando da propriedade, um jovem ovinocultor que resolveu permanecer no campo e seguir os passos do pai. O belo da vida é ver a esperança nascendo no meio do triste, como uma planta que surge das cinzas.

As propriedades taperas podem ser obras do destino ou de ideias sem planejamento, mas por certo são vítimas também de políticas públicas equivocadas das quais transformam sonhos e belas paisagens em lugares tristes e sem perspectivas.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

domingo, 12 de janeiro de 2014

As botas


Em um pequeno quarto da casa estavam minhas botas de cano longo que comprei para serem usadas naqueles raros e especiais momentos tradicionalistas. A pintura de couro precisava de retoque e os saltos apresentavam desgaste pelo lado de fora. O par de botas parecia triste, sentindo o descaso, pelas tantas vezes em que fora trocado pelos pares de sapatos.

Um convite para participar da 5ª Cavalgada Cultural da Costa Doce trouxe uma sobrevida para as botas e uma fantástica experiência de vida para aquele que, até então, mesmo amando o Rio Grande, vivia de lampejos tradicionalistas. Peguei meu lenço vermelho, as bombachas já apertadas na cintura e pulei para dentro das minhas velhas botas.

A Fazenda do Sobrado, em São Lourenço do Sul foi o ponto de partida da cavalgada. Já na porteira da fazenda, quem chega por lá pode sentir um clima diferente no ar, pois ali no sobrado centenário, onde morou a irmã do general Bento Gonçalves da Silva eram traçadas estratégias de combate durante a Revolução Farroupilha.

Quase tudo pronto para o início da jornada me apresentaram o cavalo, já encilhado e preparado para a montaria, o bichano atendia pelo nome de Preto. Nada sabia sobre a história do cavalo, mas confiei na palavra do dono, o Eduardo, que me disse: “É manso”. Naquele momento, antes de alçar a perna pensei em voz alta.., “Parceiro, não te conheço quase nada, mas me ajuda vou precisar muito da tua colaboração. Estou literalmente em tuas patas”.

No trote do cavalo, as botas já molhadas pelas várias passagens na água e nos juncais continuavam firmes no estribo, enquanto meus olhos contemplavam as belas paisagens da maior lagoa do mundo. A chegada, na praia do Laranjal, em Pelotas foi uma grande conquista pessoal e, no peito um sentimento de gratidão pela convivência e aprendizado as prendas e peões.

Depois em casa, agradeci ao Senhor, a parceria dos amigos e ao Preto, minha montaria. Antes mesmo do banho morno tirei as botas e as olhei com admiração, enquanto pensava... “Todo o homem do campo ou da cidade deveria ter um par de botas e de vez em quando alçar-se ao lombo de um cavalo, principalmente aqueles que não sabem lidar com o poder. Provavelmente sairiam de uma cavalgada transformados. Quem sabe mais compreensivos, menos prepotentes e egoístas.

Hoje compreendo o valor de um par de botas embarradas... limpá-las é um premio, além do convite para uma nova aventura.

*Artigo produzido e publicado de janeiro de 2004.
De 16 a 26 de janeiro acontece 15ª Cavalgada Cultural da Costa Doce – Saída de Guaíba e chegada em Pelotas.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com