sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A fenomenal ovelha boca cheia











Ilustração: Wilmar Marques






Nas viagens que faço pelas cidades do interior gaúcho tenho como hábito ouvir rádio, seja dirigindo o carro ou no local em que fico hospedado. 
Conhecer diferentes manifestações culturais pode ser para qualquer pessoa uma forma de crescimento, mesmo naquelas localidades das quais o senso comum atribui, como lugares atrasados e que pouco tem para contribuir com a nossa formação. Puro engano, aí está uma oportunidade de conhecer o diferente, o peculiar e o genuíno, pois nos cursos de rádio jornalismo, além de todas as normas e regras tem uma que se sobressai: Seja você mesmo.

O advento das rádios comunitárias trouxe para muitas localidades, principalmente as rurais, uma oportunidade fantástica de manifestação popular. Ao percorrer as estradas poeirentas do interior é comum o rádio sintonizar uma emissora e ali um radialista empolgado. Imagino que esta pessoa ao microfone, mesmo que seja apenas para sua comunidade tem o poder de influenciar, esclarecer, informar, desinformar e até mesmo causar grandes confusões. A pessoa do microfone pode ser alguém da própria comunidade, em trabalho quase voluntário ou um profissional do rádio trabalhando por um ideal ou em troca de apoios culturais.

A comunicação rural, assim como o jornalismo esportivo tem suas especificidades. Quem está por traz dos microfones tem que ser do meio, ou pelo menos estar interado do assunto. Caso contrário pode ocorrer casos pitorescos e até engraçados como este lá do interior de Alegrete. Segundo minha prima Dora, um locutor entusiasmado fazia a narração de um remate de ovinos, onde sucessivos lotes ingressavam no pavilhão de remates, enquanto o narrador falava de suas características com raça, pelagem,  idade. A cada lote ele recebia uma folha de papel com letras e números escritos à mão, com caligrafia sofrível.   

Pois bem... Em um desses papéis com garrachos, o locutor que era da cidade e não possuía muitos conhecimentos sobre o meio rural narrou com pompa: Senhoras  e senhores: O lote de borregas que estamos assistindo agora é da raça Corriedale e pertencem a uma Cabanha do Uruguai. São ovelhas com 246 dentes e ... Hehehehe (risos do locutor). Depois exclamou: - Nossa! Quanto dente tem essa ovelha tchê!

Quem é do ramo sabe que a dentição em ovinos tem a ver com a idade: 2, 4 e 6 dentes. As borregas com 2 dentes incisivos na mandíbula possuem de 13 a 24 meses, com 4 dentes de 24 a 32 meses, com 6 dentes elas tem de 32 a 40 meses, isto conforme a raça. Os ovinos também possuem dentes de leite que somam 20 no total. Após todas as trocas e na idade adulta somam 32 dentes. Quando completam a dentição são chamados de “boca cheia”.

Quem passou pela disciplina de Radiojornalismo na universidade, ministrada pelo meu colega e amigo professor Jorge Malhão, ou até mesmo por outro curso pode relembrar algumas dicas de redação radiofônica: Nomes estrangeiros, números e percentuais devem ser escrito por extenso; usar frases curtas, que facilitem a leitura interpretativa e o entendimento do ouvinte; escrever exatamente como você costuma conversar, ou seja, com naturalidade; usar verbos no presente, pois indicam ação e atualidade; evitar palavras que possam dar duplo sentido à mensagem; a mensagem deve ser escrita de forma objetiva, clara e simples; manter corretamente as concordâncias verbais, escrevendo dentro das regras de um bom português; entre outras.

A prática da locução

No Rio Grande do Sul e no Brasil existem vários programas de rádio dirigidos ao público rural, alguns eu conheço bem e contribuo na produção e locução. Como exemplo o programa de rádio Terra Sul – produzido em Pelotas pela parceria Emater/RS e Embrapa, o Programa da Emater – produzido em Porto Alegre pela Gerência de Comunicação da Emater/RS-Ascar e o Prosa Rural – produzido em Brasília pela Embrapa – Informação Tecnológica.

Os programas citados promovem a locução jornalística nas entrevistas e também nas falas dos apresentadores, os quais em dupla ou em separado utilizam a forma de diálogo descontraído ao relatar ao público ouvinte informações gerais ou tecnologias do setor agropecuário. Entre os tipos de locução no rádio destacamos:
Jornalística – Normalmente séria e pausada, sem passar emoção aos ouvintes;
Esportiva – Rápida e bastante emotiva (A narração de corrida de cavalos é utilizada como exercício com a finalidade de melhorar a pronúncia).
Publicitária ou Comercial – A técnica é interpretada de acordo com o roteiro.
Apresentador de rádio – Observa o perfil da emissora, geralmente tem um tom descontraído.

Na locução radiofônica, já se foi o tempo em era exigido aquele vozeirão como requisito principal, uma condição primordial dos primeiros programas de rádio. No entanto, a técnica de expressão ao microfone exige uma postura profissional. Para falar de forma natural é necessário ter um bom ritmo e entonação, pronúncia nítida e agradável, que facilite a compreensão do ouvinte, de uma só vez.
De acordo com o manual de produção e edição Prosa Rural (2009) é competência do locutor:
Entender o conteúdo – O locutor deve entender o que está escrito, tendo razoável domínio sobre os temas tratados;
Interpretar o texto – Ao compreender a abrangência do assunto, pode interpretar o texto e transferir a informação ao ouvinte;
Transferir as informações – Essa transmissão de conceito implica saber medir a expressão da locução;
Medir o ritmo – Cada palavra tem um realce próprio;
Matizar – O profissional de microfone precisa saber variar ou dar diferentes gradações ao que é dito. Assim, conforme o caso, realça a expressão, muda o tom ou faz pausas.
Ser natural – A voz constitui-se num instrumento de trabalho que deve ser usada sem exageros;
Convencer – Ser natural não significa deixar de lado a importância de convencer o ouvinte. A arte está em saber usar a capacidade de convencimento com naturalidade, sem tom apelativo, apenas com os recursos naturais da fala;
Concluir bem a leitura – Concluir bem a leitura, sem depreciar os últimos detalhes do texto ou as últimas palavras da frase.

Quem trabalha em rádio, além do necessário cuidado com a voz, deve estabelecer para si mesmo padrões que o possibilitem fazer uma boa locução. De acordo com o Dicionário Aurélio, o termo locutor é o profissional que lê textos, irradia ou apresenta programas ao microfone das emissoras da televisão ou do rádio.
Para fazer rádio sem amadorismo e conseqüentemente com mais profissionalismo, a boa locução requer:

Postura diante do microfone – Posicionar-se diante do microfone com o corpo ereto, sem inclinar-se para um lado ou para outro. Pois isso pode afetar as cordas vocais e, desta forma, prejudicar a dicção;
Modulação correta da voz – A distância do microfone não deve ser muito próxima, nem muito distante. Antes de falar regule bem o equipamento, ajustando volume e tonalidade (graves e agudos);
Respiração – Respirar pelo nariz, o suficiente para o tempo de chegar até a pausa, usar frases curtas que permitam breves paradas e facilitam a respiração;
Dicção – Dar a entonação adequada ao texto, tirando o máximo efeito das palavras. Enfatizar as palavras, mas com naturalidade para convencer e cativar o ouvinte;
Vozes – Se possível, usar mais de um timbre de voz para quebrar a monotonia. O ideal é alternar uma voz masculina e uma feminina, para estabelecer um contraste e manter a atenção do ouvinte.

Regras do bom profissional de rádio recomendam também treinos, visando alcançar um nível de qualidade satisfatório e realizar a locução com mais segurança. Observe o seguinte:
- ler a mensagem, de preferência em voz alta, antes da apresentação;
- ficar atento para não trocar nomes, números ou omitir alguma palavra. Isto      pode prejudicar toda a mensagem;
- evitar improvisações, pois sempre existe o risco de confundir o ouvinte, principalmente quando você não tem pleno domínio sobre o conteúdo da mensagem;
- a articulação correta das palavras com finais em “s” e “r” são importantes. É  comum a omissão das letras na pronúncia, ou até mesmo, ficarem quase inaudíveis.
- para uma boa locução, é importante atentar para a acentuação das palavras, qual ênfase deve se dar a elas.

Os cuidados com a pronúncia são fundamentais, independentemente de estruturas mais simples ou complexas, assim como às junções naturais das palavras quando reunidas em frases. É importante ter em mente, que você pode irradiar o programa dirigido a um público específico, mas não pode determinar quem está recebendo a mensagem. Através das ondas do rádio a sua voz poderá atravessar fronteiras e atingir um público multicultural.




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