domingo, 27 de maio de 2012

Identidade que faz a diferença

A sociedade que constrói a identidade do indivíduo pode ser a mesma que aponta para as diferenças. Vivemos em um processo de construção contínuo, onde cada um procura se entender, se conhecer melhor, buscar suas raízes, encontrar-se com sua identidade, mas o sistema parece enxergar muito mais as diferenças e talvez por isso estas apareçam mais, são mais marcadas.

Como a produção social da identidade e da diferença tende a ser naturalizada, se faz necessário que entendamos seus conceitos e definições. De certa forma parece ser fácil definir “identidade” (Silva, 2000, p.74), pois ela pode ser vista apenas como aquilo que se é: “sou branco”, “sou negro”, “sou homem”, “sou mulher”, “sou urbano”, “sou rural”. Nesta visão a identidade é concebida como uma característica independente, um fato autônomo, auto contido e auto-suficiente.

Quando participo de reuniões onde estão presentes comunicadores de outros estados brasileiros é fácil perceber a identidade de cada região, pela diferença na forma de se expressar, tanto na fala quanto nos costumes. Nosso povo gaúcho tem características bem marcadas, não só pelo sotaque, mas pelo orgulho de das tradições. A maioria dos habitantes do Rio Grande do Sul, que moram aqui são gaúchos de nascimento e falam das belezas dos pampas, do chimarrão, companheiro inseparável nas reuniões, no trabalho ou após  este em uma roda de amigos.

Recentemente conheci o relato de uma bióloga do Depto de Biologia/USP, Mara Silvia Costa. Ela escreve que durante um estágio no estado de Roraima, ficou claro a falta de identidade daquele povo. Ela relata: “Para começar o mais difícil de encontrar por aqui é roraimense. Acho que a proporção é de 1 roraimense para cada 10 pessoas é bem razoável.Tem gaúcho, carioca, cearense, amazonense, piauiense, maranhense e por aí vai. Portanto falta uma identidade com a terra. Mais de 70% do Território roraimense é demarcado como reserva indígena, assim restam apenas 30%, descontando-se os rios e as terras improdutivas, que são muitas, para se cultivar a terra ou para a localização das próprias cidades”
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Ela continua o relato: “A maioria dos índios fala a língua nativa além do inglês ou francês, mas a maioria não sabe falar português. Dizem que é comum na entrada de algumas reservas encontrarem-se hasteadas bandeiras americanas ou inglesas”.

Parafraseando Joca Martins “É aí que eu refiro”, a identidade cultural dos gaúchos faz a diferença e a afirmação da identidade implica em dizer ao mundo o que “somos”, essa demarcação de fronteiras separa e diferencia, sugerindo e instigando relações de poder, pois a identidade está fortemente ligada à separação entre “nós” e “eles”. O Rio Grande do Sul é um outro Brasil.

Marco Medronha

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Até onde irá essa seca?


Nesta semana fiquei sabendo que o Comitê Gestor Regional dos Programas da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo deliberou, através Fundo Estadual de Apoio aos Pequenos Estabelecimentos Rurais, a implementação na região de 100 projetos para construção de micro açudes e/ou cisternas. A escolha dos municípios beneficiados se deu pelos critérios de homologação de Estado de Emergência pela estiagem.
 
Não parece, mas a seca continua e a situação ainda é séria em muitos municípios da nossa região. Para descontrair um pouco resolvi publicar nesta coluna, uma história contada pela ex-colega de trabalho, Miriam Carvalho. O causo foi ilustrado pelo jornalista Wilmar Marques e está no meu livro “Histórias e Estórias no Sítio”, ela conta assim:
 
“Lá pelos anos 70, quando iniciei minha vida profissional, na Extensão Rural do município de Piratini, costumava pegar o ônibus via Canguçu para Pelotas, onde moravam meus familiares. Numa dessas viagens, eu estava sentada na terceira fila atrás do motorista e na minha frente dois agricultores, gente humilde e simples como a maioria dos passageiros. O ônibus “daqueles” bem antigos, tipo da novela “Tieta do Agreste”, era um sobe e desce de passageiros, por aquela estrada de chão empoeirada. Os ditos cujos agricultores só falavam da seca, pois naquela época foi brava mesmo. Todos estavam apavorados com ela, pois aonde quer que fôssemos o assunto era a tal da seca. O ônibus parava a todo instante, para pegar e deixar gente, e os dois agricultores continuavam no assunto da tal seca: quando o ônibus parava ficavam quietos e era só o ônibus continuar e o assunto era sempre o mesmo: a seca.
 
Numa dessas paradas, entrou uma velhinha toda de preto, alta e muito magra, que ficou de pé ao lado dos dois agricultores, pois o ônibus estava sempre cheio, e os passageiros iam de pé, quase em cima dos que estavam sentados. A dita velhinha, toda de preto, alta e magra, ia numa seriedade preocupante. Foi quando um deles perguntou para  o outro: “Até onde irá essa seca?” O que a velhinha num alto e bom tom respondeu: “Vocês não tem nada que saber”. Depois de uma breve pausa respondeu bem alto: “Vou para Canguçu.” Os dois murcharam, ficaram mudos e foram toda a viagem em silêncio. Eu fiquei também quieta, rindo sozinha”.

sábado, 12 de maio de 2012

Se beber não morra

O meio rural está recheado de histórias interessantes e algumas delas incríveis, parte delas resgato no meu livro “Histórias e estórias no sítio”, elas fazem parte de uma  primeira publicação sobre a temática e foram contadas pelos próprios extensionistas rurais. Estes como fonte fidedigna, me fazem acreditar em todas.
Porém, uma delas ainda não foi publicada e aproveito para contar aqui no espaço Repórter Rural, quem me contou foi uma colega jornalista e o fato aconteceu quando ela visitava o sítio da avó. Todo o jornalista tem um compromisso com a verdade, neste caso o meu é reproduzir a história direitinho.
O fato aconteceu no interior de São Lourenço do Sul, em um sítio de imigrantes alemães. A fartura de plantas de butiá, nas redondezas estimulou o pessoal fazer licores e todo tipo de preparados com cachaça. A bebida era consumida moderadamente apenas como “aperitivos”, antes ou após as refeições. Mas, a família tinha um problema: o que fazer com a sobra? Com os butiás alcoolizados ou curtidos no álcool?
Ocorre que o pessoal estava saindo apressado para uma festa na colônia, daquelas que duram o dia inteiro, mas antes teriam quer dar destino aos butiás embebidos e encharcados de cachaça. Foi aí que o avô teve a iniciativa de jogar as frutinhas nos fundos do pátio, próximo a uma cerca. A idéia só não foi bem sucedida, porque a criação de gansos resolveu comer os butiás curtidinhos de cachaça.
O resultado foi desastroso, quando a família chegou da festa encontraram os gansos esticados no chão, duros. A avó não teve dúvidas, antes que caísse a noite, resolveu aproveitar pelo menos as penas das aves, pois estas davam excelentes travesseiros ou serviriam para as cobertas de inverno. A providência de enterrar os animais mortos ficou para o dia seguinte.
Amanheceu no sítio... e o avô, cedinho foi dar milho para a bicharada e se surpreendeu quando apareceu a criação de gansos peladinhos. Ao passar o efeito do álcool eles sobreviveram milagrosamente.
Entre os humanos o caso é muito mais sério, pois é inconcebível que pessoas racionais, ainda dirijam seus carros depois de ingerir álcool. Pesquisa recente da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), revela que 43% dos indivíduos entrevistados que beberam, consumiram pelo menos três doses em festas antes de dirigir. Entre os condutores de carro, o índice de alcoolizados chega a alarmantes 56,6%. A pesquisa revela que entre os motoristas de automóveis que tinham consumido bebida, 100% ingeriram quantidade acima do que prevê a legislação (0,6g/l).
Ações isoladas como as da ONG Vida Urgente de Porto Alegre, embora preciosas, ainda não são suficientes. É necessário uma campanha conjunta aos governos, com um firme propósito de salvar vidas. O trabalho começa pela conscientização dos jovens, as maiores vítimas nas estatísticas. Se beber não morra, você poderá ser encontrado na beira de uma cerca, sem penas ou melhor sem roupas, isto se tiver a mesma sorte dos gansos: sobreviver milagrosamente.
Marco Medronha

terça-feira, 8 de maio de 2012

Aposentadoria rural


Costumeiramente realizamos reportagens sobre as atividades que sustentam as propriedades de economia familiar, nelas são mostradas como produzir frutas, cereais, hortigrajeiros, leite e várias outras produções agrícolas, mas dia destes me surpreendi com uma pauta, na qual colocava os benefícios da aposentadoria rural como componente fundamental em cerca de 30% estabelecimentos.

Ao fazer a matéria constatei um quadro preocupante ao verificar produtores periféricos nas regiões urbanas, empobrecidos, estagnados e totalmente dependentes dos recursos previdênciários.  Claro que aqueles que já cumpriram seu papel na vida produtiva e alcançaram a idade mínima exigida merecem receber, até muito mais do que recebem. O que acho injusto são alguns com muita saúde e vitalidade vivendo à sombra dos aposentados.

Outro problema constatado foi a falta de informação dos habitantes rurais sobre o tema: Aposentadoria do trabalhador rural. Acredito que este deveria ser um assunto de rotina nas comunicações dos órgãos de assitência aos agricultores. Conversei com muita gente que não tinha a mínima idéia de como proceder para obter a aposentadoria e em muitas situações já tinham o direito adquirido.

Pensando em auxiliá-los procurei informações em sites oficiais ou idôneos. A lei diz o seguinte:
“Têm direito ao benefício os trabalhadores urbanos do sexo masculino a partir dos 65 anos e do sexo feminino a partir dos 60 anos de idade. Os trabalhadores rurais podem pedir aposentadoria por idade com cinco anos a menos: a partir dos 60 anos, homens, e a partir dos 55 anos, mulheres.
Para solicitar o benefício, os trabalhadores urbanos inscritos na Previdência Social a partir de 25 de julho de 1991 precisam comprovar 180 contribuições mensais. Os rurais têm de provar, com documentos, 180 meses de atividade rural”.                                                                     
http://www.previdencia.gov.br
Previdência Social do Brasil, diz que pequeno trabalhador rural é considerado um segurado especial. É um segurado que não precisa fazer contribuições para obter benefícios. Tem direito a quase todos os benefícios, só não pode se aposentar por tempo de contribuição. Sua renda é sempre fixada em um salário-mínimo.
Documentação: Documentos pessoais, bloco de produtor rural com emissão de uma nota por ano, podendo ser uma a cada três anos. Tem que apresentar comprovação da terra onde exerce sua atividade. A terra pode ser própria ou de terceiros. No caso de terceiros tem que apresentar um documento que comprove de que forma utiliza a terra. Pode ser arrendamento, parceria, cedência, ou qualquer outra forma. O contrato tem que ser feito na data em que começou a atividade, tem que estar registrado em cartório ou com reconhecimento das assinaturas que comprovem a data em que foi firmado.   http://www.aposentadorias.net/2009/11/aposentadoria-do-trabalhador-rural.html
 Marco Medronha

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Eles foram maioria

      
Sabedoria Indígena: “Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira segui-lo. Ande ao meu lado para podermos caminhar juntos”. Provérbio Ute
Lembro com saudades, ainda quando estudava no ensino fundamental, das primeiras pesquisas realizadas na escola sobre os povos indígenas. Os livros de história mostravam aldeias com índios felizes, que viviam do cultivo primitivo de alimentos para a sobrevivência, caçavam, pescavam e possuíam muita intimidade com a natureza.
No ano de 1500, com a chegada dos portugueses e o descobrimento do Brasil, os índios eram donos dessa da terra e conseqüentemente maioria no território de madeiras nobres e riquezas naturais. Não demorou muito para que eles  fossem enganados, agredidos  e perdessem seus bens para a minoria branca. Eles, quase exterminados, passaram a viver de migalhas da sociedade e foram transformados em minoria.
Sabedoria indígena: “Somente após a última árvore cortada, o último rio envenenado. Somente após o último peixe ser pescado. O homem descobrirá que o dinheiro não pode ser comido”. Provérbio Cree
Em 1940, ocorreu no México, o primeiro Congresso Indigenista Interamericano, com autoridades governamentais de vários países da América. No entanto, os índios receosos, não participaram, pois no evento seriam minoria e estariam sob o domínio e coordenação dos brancos. O congresso serviu, para as primeiras reflexões sobre a situação dos indígenas e para marcar o dia 19 de abril, como o Dia do Índio, data comemorada em todo continente americano.
Programas governamentais e políticas públicas, surgem com foco no povo indígena, as linhas e objetivos são direcionados para as melhorias das condições de moradia, alimentação e saúde nas aldeias. Para os especialistas este é um grande desafio, pelo fato de estarem lidando com um público muito especial, capaz de ensinar muito mais do que receber, pois eles são portadores de um vasto conhecimento sobre a natureza e nem sempre estão dispostos a compartilhar saberes. 
Sabedoria indígena: “No dia do seu nascimento você chorou e o mundo se alegrou. Viva sua vida de modo que no dia de sua morte o mundo chore e você se alegre”. Cherokee
Os resultados ainda são mínimos e o que podemos ver na mídia ou pelas ruas das cidades são indígenas prostituindo sua cultura, pedindo gorjetas, vendendo artesanato para sobreviver. São famílias inteiras nas calçadas lutando pela sobrevivência e, agora mais recentemente em conflitos com agricultores pela posse de terras. Propriedades que eles tinham quando foram maioria.
Marco Medronha