sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Cultura quilombola no litoral

O litoral gaúcho apresenta diversidade de manifestações culturais, onde diferentes heranças são reveladas através da mistura étnica e tradições preservadas nas comunidades, muitas vezes esquecidas. Entre as quais estão os Ternos de Reis, Festas Juninas, Cantos Fandanguistas, Folias do Divino, Quicumbis, Ensaios, Embaixadas e Moçambiques.
O culto às tradições populares resiste, pelo hábito das comunidades em cultivar o respeito aos antepassados e reunir a família de torno de uma identidade. Uma grande riqueza de manifestações populares estão escondidas nos quilombos. Em Mostarda, na comunidade de Casca, conheci o mestre Antônio, um abnegado que por várias décadas comanda um Terno de Reis. Entre amigos e parentes, os músicos entoam noite adentro, cantigas de religiosidade com mensagens de amor, respeito e gratidão.
Lembro bem disso. Meu pai era cantador de Terno de Reis, no início do vilarejo que nasceu nas margens do Rio Camaquã, hoje Cristal. As cantigas eram parecidas com algumas variações, na letra, mas era a mesma batida do tambor, do pandeiro, gaita e violão. Eles cantavam até o dono da casa abrir a porta, normalmente quando a galinha ou arroz com lingüiça estivesse pronto, eles entravam e com alegria faziam uma grande confraternização.
Sem querer ser saudosista e ao mesmo tempo sendo, naqueles tempos o valor de um vizinho era diferente. Tinha um sentido diferente, os poucos recursos se somavam e sobrava solidariedade. Também lembro que havia mais compadres e comadres, os afilhados referenciavam beijando a mão do padrinho ou da madrinha. Achava aquilo muito bonito e aprendi desde cedo a ter respeito pelos aos mais velhos.
Recentemente conheci a cultura misturada dos açorianos e afrodescendentes no litoral gaúcho. Embora com ritmo musical diferente, o que é natural, o culto e gratidão a experiência é valorizada. Nos quilombos os Ensaios são mais que festividades, caracterizam-se como formas de agradecimento pela vida na comunidade, momentos carregados de alegria e sentimento, expressões tão raras no mundo potencialmente evoluído das cidades.

Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Cooperar é preciso



A economia rural da Região Sul é baseada na agricultura familiar, com forte apelo à produção de alimentos tão necessários para a sobrevivência das pessoas que moram aqui ou em qualquer parte do mundo, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que no ano de 2050, não haverá comida suficiente para a humanidade, para suprir a demanda deverá ocorrer um aumento significativo na produção.

É das pequenas propriedades rurais que vem os alimentos que trazem fartura a nossa mesa, uma produção que, sem exagero, pode salvar a lavoura mundial e livrar muita gente da fome. Nosso Estado ainda continua sendo um grande celeiro na produção de todo tipo de alimento, no entanto os agricultores familiares encontram dificuldades para disponibilizar os produtos. A venda é realizada de maneira informal ou pelas vias de comercialização dos municípios, estados e união. 

As famílias, na maioria das vezes, se esmeram em todas as fases do processo de produção, capricham no preparo do solo, no plantio ou semeadura, fazem os tratos culturais, a colheita, armazenamento e comercialização. A cooperação dos membros da base familiar, nem sempre é suficiente para tornar sustentável uma produção. É preciso cooperar.

Desde os povos primitivos a cooperação é fundamental, os seres humanos necessitam dos grupos organizados para vencer as adversidades, para resolver não só as dificuldades da cadeia produtiva, mas todo tipo de barreiras: Clima, fome, doenças e tantas outras, que deixam de ser problemas quando se busca apoio no cooperativismo.

Vejo com muito o otimismo o incentivo dos governos em criar programas de cooperativismo, principalmente àqueles que vêm ao encontro das necessidades das economias de base familiar. A própria extensão rural, com o apoio da pesquisa vem atuando no sentido de qualificar as produções, especialmente na agroindústria. O aproveitamento dos alimentos na sua integralidade e nas épocas de entressafra vem se sustentando e mantendo a cultura de nossos imigrantes, graças ao trabalho de profissionais competentes que atuam na organização das famílias e na manutenção de suas raízes culturais.

Na nossa região temos belos exemplos de cooperativas bem sucedidas, a começar por as do setor de “Laticínios” até os tradicionais “Doces de Pelotas”, mas muitos produtores necessitam de orientação. Na região, já existe um grupo de profissionais trabalhando no sentido de identificar problemas e demandas no setor e atuando no processo de qualificação e gestão de cooperativas, me refiro especialmente ao Programa Extensão Cooperativa da Emater/RS-Ascar, o qual começa um trabalho de introduzir melhorias técnico-gerenciais, produtivas e educacionais nas cooperativas, incentivar a criação de novas formas cooperação, com a finalidade de melhorar a competitividade no mercado.

Nas reportagens pelo meio rural, venho observando o desejo das famílias em dar visibilidade a sua produção, em vender seus produtos a um preço justo, sem precisar entregar a intermediários. Aí está um problema antigo que traz desestímulo a quem trabalha duro o ano todo e no final do processo fica na mão de oportunistas. Iniciativas individuais são válidas, mas são quase atos de heroísmo, assim vale a máxima da união para vencer as dificuldades e continuar dono do próprio negócio. Cooperar é preciso.


Marco Medronha  mmedronha@hotmail.com

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Ovelha não é pra mato

Ao percorrer um eixo formado pelos municípios de Herval, Pedras Altas e Pinheiro Machado é possível encontrar histórias de superação dos ovinocultores, os quais realizam um trabalho de perseverança na manutenção de um dos principais berços do rebanho ovino no Rio Grande do Sul. Entre grandes e pequenos criadores existem práticas comuns e necessárias para garantir a qualidade dos produtos que se diversificam desde a carne na culinária até o artesanato em lã.

Durante a visita em algumas propriedades, com o objetivo de conhecer o trabalho dos pecuaristas e as características da região, encontramos o rebanho ovino refugiado nas matas. Provavelmente, os animais estavam fugindo do forte calor que fazia naquela semana, logo lembrei de um tradicional ditado, muito conhecido entre os criadores: “Ovelha não é pra mato”. Certamente eles faziam referencia a necessidade de pastoreio dos animais nos campos abundantes da região, os quais apresentam centenas de espécies nativas palatáveis e favoráveis ao desenvolvimento dos rebanhos.

Todo pecuarista sabe que numa propriedade bem sucedida, todos os espaços possuem sua importância e finalidade. A função da mata preservada promove o equilíbrio da flora e fauna, além de servir de abrigo aos animais. Embora ali na mata não exista alimento suficiente para o pastoreio dos animais, pode ser um excelente ar condicionados para as ovelhas e seus pesados casacos de lã.

Alguns “ditos populares” parecem ficar gravados na nossa memória e soam como definitivo e nós, inconscientemente passamos a aceitá-los como verdades. Assim como no caso das “ovelhas não é pra mato”, algumas vezes, nós humanos, passamos a acreditar que nossos desejos não nos pertencem e deixamos de lutar por nossos sonhos. Os trabalhadores persistentes da ovinocultura podem buscar no seu campo de trabalho, o conforto e o equilíbrio que as matas proporcionam e, isso pode ser alcançado através de um insumo valioso a todos, a informação.

No caso dos pecuaristas familiares sair do seu reduto para trocar idéias e conhecer outras técnicas e realidades diferentes pode significar um ganho financeiro e intelectual. Encontros em eventos como a Feovelha, de Pinheiro Machado, é uma grande oportunidade para ver de perto as tecnologias para o setor, através de vários métodos como oficinas, palestras, seminários, concursos e outros meios capazes de proporcionar a inclusão em um espaço melhor de produção.

Ao voltar para a propriedade, o ovinocultor poderá perceber que ovelha pode entrar no mato quando necessitar de refúgio e que ele, deve sair dele com freqüência, a fim de acreditar em suas potencialidades.


Marco Medronha   mmedronha@hotmail.com